Há quem aposte que não apenas o Ministério Público mas também a Polícia Federal tornaram-se ao longo do tempo instituições tão fortes e independentes que conseguiram alcançar uma dinâmica na rotina dos seus trabalhos e investigações que independe da vontade e dos posicionamentos de quem estiver em seu comando. Há quem aposte que não. Fustigado depois de virar ele mesmo alvo das investigações tanto do Ministério Público quanto da Polícia Federal, o presidente Michel Temer conseguiu primeiro mudar o comando do Ministério Público, trocando Rodrigo Janot ao final do seu mandato por Rachel Dodge. Agora, muda também a cabeça da Polícia Federal, tirando Leandro Daiello e entronizando Fernando Segóvia. Inicia-se assim a prova dos nove das duas instituições: de que forma prosseguirão seus trabalhos a partir de agora?
Por sua própria gênese, o Ministério Público já deveria ser mais independente que a Polícia Federal. Criado na Constituição de 1988, trata-se quase de um quarto poder. Uma instituição destinada a olhar pelo interesse da sociedade desvinculada dos três outros poderes. O presidente da República, porém, tem com relação a ela um trunfo: é ele quem escolhe o procurador-geral da República, o chefe da instituição.
Depois do “engavetador geral da República” Geraldo Brindeiro, o comandante na época de Fernando Henrique Cardoso, nenhum outro presidente foi capaz de emplacar na Procuradoria Geral da República outro chefe capaz de arquivar os processos que não interessavam ao governo.
Veio o mensalão no governo Luiz Inácio Lula da Silva. O petrolão no governo Dilma Rousseff. E todos os desdobramentos da Lava-Jato. Michel Temer tenta levantar a tese de que, com Rodrigo Janot, a Procuradoria tenha virado o pêndulo na direção oposta da de Brindeiro: se ele engavetava o que não interessava a Fernando Henrique, Janot, na versão de Temer, teria orientado o Ministério Público a deliberadamente abrir fogo contra ele, engendrando uma trama para derrubá-lo.
Dona de uma carreira importante e de uma reputação, talvez Rachel Dodge não seja uma pessoa interessada em usar seu posto numa defesa incondicional dos interesses de Temer. Em alguns momentos, até já deu continuidade a investigações e processos que prejudicam o PMDB, algo que certamente não interessa ao presidente. Até onde irá, será preciso agora observar.
Já a Polícia Federal não tem a mesma independência na sua gênese. Trata-se de uma instituição do Poder Executivo, diretamente vinculada ao Ministério da Justiça. Embora, porém, o ministro da Justiça seja o chefe da Polícia Federal, ao longo do tempo ela também foi ganhando uma estrutura e uma independência fortes. Em várias ocasiões, ficou claro que o ministro não era previamente informado nem acompanhava as investigações. Foi muitas vezes pego de surpresa, e não conseguiu interferir. A corporação também ganhou força suficiente para denunciar ordens eventuais que claramente vierem a direcionar ou impedir determinadas ações ou investigações.
De mesma forma que Dodge, Segóvia tem também sua carreira e sua reputação. É preciso ver se irá querer comprometê-la numa atitude explícita de defesa do presidente. Ao tomar posse, enviou sinais trocados. Buscando transmitir tranquilidade, disse que os processos e investigações que envolvem diretamente Temer prosseguirão na Polícia Federal. Mas, ao mesmo tempo, fez críticas à investigação da delação de Joesley Batista, dizendo que ela teria sido célere demais, por imposição do Ministério Público. Ou seja: ratificou a tese de Temer de que Janot teria corrido para tentar pegá-lo. Que o flagrante da mala de dinheiro com o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures não seria prova suficiente para concluir pelo envolvimento de Temer.
Fica tudo dependendo de quem de fato age ou agiu politicamente: Janot para incriminar Temer ou quem agora prega maior cuidado para evitar provas ineptas ou conclusões que não se sustentam? Os próximos dias é que dirão se produzimos realmente instituições fortes com dinâmica que independe da cabeça de comando ou não.