Há um ponto frágil na denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer. Por outro lado, há outros pontos fortíssimos. De qualquer modo, no frigir dos ovos, há um presidente extremamente combalido, denunciado por crime de corrupção passiva, com apenas 7% de popularidade, incapaz de contornar uma das maiores crises da história do país, incapaz de conseguir impor uma outra agenda que não seja a imposta contra ele pelo Ministério Público, a Polícia Federal e os demais braços que atuam na Operação Lava-Jato.
O ponto frágil é o fato de, ao final, não ter ficado comprovada aquela que foi a primeira denúncia a aparecer a partir do momento em que Joesley Batista explodiu a sua bomba no gabinete principal do terceiro andar do Palácio do Planalto. As gravações das conversas com o dono da Friboi não autorizam com segurança suficiente dizer que Temer negociou com Joesley a compra do silêncio do ex-deputado preso Eduardo Cunha.
Leia a íntegra da denúncia de Janot contra Temer.
Antes de aparecer a transcrição dos grampos feitos por Joesley, essa foi a primeira versão divulgada. Na conversa ocorrida no Palácio do Jaburu, ele teria dito a Temer que pagava uma mesada a Cunha para manter sua boca calada. Ao que Temer teria respondido: “Tem que manter isso aí”. Bem, a transcrição não sustenta com segurança esse fato. Pelo que foi divulgado, Joesley disse apenas que estava “bem” com Eduardo Cunha. E Temer então responde com o “tem que manter isso aí”. Frágil, essa história inicial desapareceu da denúncia feita agora por Janot. Sem elementos para tal afirmação, o procurador-geral não inclui isso no seu texto.
O problema para Temer é que o ponto frágil aí não sustenta o restante dos argumentos que ele tem usado para se defender. Temer falou em edição da fita. Segundo a Polícia Federal, não houve edição. O que ele conversou com Joesley é o que foi conhecido. Aí, as coisas começam a se complicar para o presidente.
Em primeiro lugar, ele recebeu Joesley para uma visita clandestina, na garagem do Jaburu, à noite, após orientá-lo a não dizer seu nome na entrada, mas apenas “Rodrigo”. Rodrigo é justamente o nome do deputado Rodrigo Rocha Loures, apontado pelo Ministério Público como o intermediador de propina paga por Joesley a Temer. Na conversa, os dois falam de fato sobre Rocha Loures. Joesley diz ter perdido o contato com o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, que se enrolara e saíra do governo depois da história da pressão sobre o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) liberasse a construção de um prédio em Salvador no qual tinha comprado um apartamento. E Temer diz a ele que o interlocutor passaria ser Rocha Loures.
Depois disso, Joesley passa a ter encontros com Rocha Loures. Até o momento em que Rocha Loures encontra-se com Ricardo Saud, da J&F, empresa de Joesley, e recebe dele uma mala com R$ 500 mil. Há conversas entre Loures e Saud para acertar pagamento de propina caso fossem atendidos interesses de Joesley em contratos de empresas termelétricas e no Conselho de Administração e Defesa Econômica (Cade). “Rodrigo Loures, durante toda a empreitada criminosa, deixou claro e verbalizou que atuava em nome do Presidente Michel Temer, com a ciência deste, inclusive trazendo informações atualizadas a respeito das posições de Michel Temer acerca dos assuntos tratados, o que deixa claro que Rodrigo Loures se reportava de maneira permanente a Michel Temer sobre o andamento dos crimes perpetrados”, escreve Janot.
“Em todo esse contexto, está clara a comunhão de esforços e unidade de desígnios dos denunciados Michel Temer e Rodrigo Loures. Os diversos episódios constantes desta peça acusatória apontam para o desdobramento criminoso desde o encontro entre Michel Temer e Joesley Batista no Palácio do Jaburu no dia 07 de março de 2017 e que culminou com a primeira entrega de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), efetuada por Ricardo Saud a Rodrigo Loures, em 28 de abril de 2017”, diz o procurador, em outro trecho da denúncia.
Há diversas outras evidências mencionadas no texto. É difícil dizer se elas poderão levar à condenação de Temer. Neste momento, é até mais prudente dizer que tal hipótese é improvável. Colhida pelo Supremo Tribunal Federal, a denúncia precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados para que se instaure um processo contra Temer. Há boa chance de o processo já parar nesse momento.
De qualquer modo, impossível para Temer evitar o constrangimento de ser o primeiro presidente brasileiro a receber denúncia desse tipo, de cometimento de crime no cargo. Impossível evitar que a sobrevivência a essa circunstância passe a ser a sua prioridade, abandonando todos os demais itens da sua agenda (até porque enquanto tal fato não se resolver, nada diferente deverá andar também no Congresso). Impossível evitar que sua base reflita sobre o desgaste de tal situação e avalie rever seu apoio. A essa altura, o PSB já abandonou o barco, assim como parte do PPS, e o PSDB segue com a sua dança no muro, agravada pela posição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que sugeriu a Temer que refletisse por “abreviar” o seu mandato.
Enfim, a crise segue sendo a crônica brasileira…