Quer uma dica para encerrar o seu fim de semana? Leia a entrevista do historiador Bóris Fausto publicada neste sábado no UOL. Deixe de lado as preferências políticas pessoais dele, tão legítimas como as suas. Abandone as luvas de boxe com que participa desse inútil e triste UFC intelectual que virou o país e reflita a partir do pensamento de um dos maiores historiadores deste país (aliás, se você não possui nem deixa próximo de sua mesa de cabeceira, procure nas livrarias a fundamental História do Brasil de Bóris Fausto).
O ponto central da entrevista é a avaliação de Bóris Fausto de que o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff abriu sobre o Brasil uma Caixa de Pandora. De onde saem fatos e monstros de consequências imprevisíveis e incontroláveis.
Como afirma já ao final da sua entrevista, Fausto não foi contra o impeachment de Dilma. Menos pelas tais pedaladas fiscais e mais pelo estado de total ingovernabilidade em que se encontrava o país. O problema é que o impeachment não trouxe tal governabilidade de volta. Pelo contrário, desprendeu do país reações complicadas e violentas, cujas consequências são impossíveis de se prever.
Começa pelo fato, diz o historiador, de as motivações de cada um dos parlamentares que participou do processo terem sido muito mais pessoais que cívicas. Pesou no processo como o impeachment poderiam salvar a própria pele de muitos, ou de que forma aquilo poderia contribuir para as ambições futuras de cada um. Aquilo que ficou patente na já célebre conversa do senador Romero Jucá (PMDB-RR) com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado: a construção de um grande “acordo nacional” que limitasse o processo da Lava-Jato no PT e o concluísse em Dilma, livrando a cara dos demais.
Ocorre que nem todo mundo aceitou participar do tal “acordo”. Bóris Fausto observa que a Lava-Jato pode estar correndo perigos, mas ela não parou. Ao contrário: como um dos primeiros fatos que veio na sequência, o próprio presidente Michel Temer viu-se como um dos principais alvos das denúncias. Assim, um governo que não era legitimado pelo voto viu-se com imensas dificuldades de se legitimar de alguma outra forma, já que seu comandante encontra-se enrolado na mesma teia que enredou sua antecessora e o partido dela.
Uma situação que leva a um desencanto generalizado com a política, com seus atores e partidos. Partidos que já eram enfraquecidos pelo fato de não terem, a quase totalidade, sequer a sombra da consistência ideológica que chegaram ter os partidos da nossa experiência democrática anterior, de 1945 a 1964. Desse caldo emerge uma figura como Jair Bolsonaro, como expressão de certa vocação autoritária brasileira, que em outras épocas subiu ao poder pelo golpe, mas que talvez agora tenha alguma chance de se legitimar pelo voto.
Que leva à total desarmonia entre os Poderes. Um Legislativo já de algum tempo desmoralizado. Um Executivo com os problemas apontados acima de legitimidade. E um Judiciário que ocupa o vácuo, legislando e tomando decisões administrativas (como a decisão de impedir a posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho).
Num cenário onde tudo se torna questionável, partidarizado, politizado ao extremo, lidera as pesquisas de intenção de voto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância, num quadro, portanto, de total incerteza jurídica. Numa estratégia de desafio e confronto que, em alguns momentos e por conta de alguns personagens, derrapa para o perigoso flerte com a desobediência civil.
Bóris Fausto observa que estamos longe de ter no Brasil “uma democracia plena e consolidada”. Até porque tivemos o mau hábito de seguidamente interromper esse processo com aventuras autoritárias. Assim, esse quadro todo coloca em risco tudo pelo que se lutou e que se conquistou desde 1985, quando se derrubou a ditadura militar.
Ele mostra-se otimista com a possibilidade de as eleições de outubro conseguirem dar um freio de arrumação nisso tudo, com a eleição de um presidente legitimado pelo voto. Tomara que Bóris Fausto tenha razão. A leitura desapaixonada das avaliações de pessoas com o grau de conhecimento e a capacidade de análise como Bóris Fausto nos ajudaria. Mais reflexão e menos FlaXFlu nos ajudará a sair desse enrosco.