O Face e a guerra política

Foto:USP Imagens

Debs Delbart é uma jovem moça miúda de cabelos castanhos lisos, jeito sério e meio tímido e grandes óculos de aros grossos. Literalmente, veste a camisa da empresa que trabalha: ostenta uma camiseta verde com a marca Facebook escrita na frente em grandes letras brancas. Tem o típico estilo geek das novas gerações que dominam os empreendimentos digitais, incluindo aí o seu patrão, Mark Zukerberg. Debs é a gerente de relações com governos e políticos no Brasil da maior e mais influente rede social do planeta.

Numa conversa recente, Debs abordou um ponto que será crucial na disputa eleitoral que teremos no ano que vem: o papel das redes sociais na construção do debate e na formação dos elementos que levarão o eleitor ao convencimento final sobre qual candidato irá escolher para governar o país nos próximos quatro anos. E ainda mais crucial num momento em que a discussão política ficou estridente, radical, polarizada e mesmo mal educada. E a questão que fica é: as redes sociais contribuíram para ampliar o debate ou, no final, acabaram ajudando a radicalizá-lo e estreitá-lo? Até que ponto elas são também responsáveis pelo clima de FlaXFlu, que não se instalou somente no Brasil mas em outras querelas políticas pelo mundo?

Os números do Facebook no Brasil impressionam. Especialmente no que se referem ao peso da discussão política dentro da rede social. Segundo Debs, o Face tem hoje 120 milhões de pessoas ativas, das quais 113 milhões utilizando principalmente o processo mobile (celulares) para acessar a rede. Dessa turma, nada menos que 77 milhões abordaram em outubro – um mês ainda distante do período eleitoral – temas políticos. Os posts desses 77 milhões produziram 1,1 bilhão de engajamentos. Ou seja: há bem mais coisas nas redes sociais que as curtidas às fotos de gatinhos e cachorrinhos meigos.

O problema é, porém, muitas vezes a forma como vai se alargando a discussão política no Face e nas outras redes. O sistema de algoritmos utilizado estabelece uma ordem de destaque dos posts no chamado feed de notícias de cada usuário que leva em conta os temas de maior afinidade. Se o cidadão é flamenguista, aparecerão na sua página postagens relacionadas ao Flamengo. Se gosta de Fórmula Um, coisas e pessoas ligadas ao mundo do esporte automotivo. O mesmo se dá com relação aos temas políticos. Se é coxinha, viverá num mundo virtual coxinha. Se é mortadela, é o embutido italiano que se vinculou ao PT que prevalecerá na sua página.

Ou seja: o risco hoje das redes sociais é transformar o mundo numa série de planetinhas virtuais menores, onde convivem aqueles que pensam de maneira mais semelhante. Em vez de ampliar, há um risco aí de estreitamento. Que se agudiza nas questões políticas. Nesses planetinhas de maior afinidade, alguém que apareça pensando diferente fica ainda mais estranho. E passa a ser rechaçado de forma ainda mais violenta e veemente. É a guerra virtual que se agiganta nas redes, desfazendo amizades, enchendo as páginas de xingamentos, quando não de excessos ainda maiores, como mesmo ameaças de morte.

Na recente visita que fez ao Brasil, o ex-presidente dos Estados Unidos Barak Obama abordou essa questão no Fórum Cidadão Global. “Estamos mais conectados do que nunca”, disse ele. “Mas isso faz com que, em alguns casos, seja mais fácil recuarmos a nossas próprias tribos, nossas próprias bolhas, onde só escutamos pessoas que pensam da mesma forma como nós. E nunca desafiamos as nossas próprias presunções, porque tudo o que lemos, tudo o que vemos é simplesmente o que um algoritmo nos disse que deveríamos ver”.

Segundo Debs, o Facebook também se preocupa com isso. Quer ajudar a ampliar o debate, não reduzí-lo. Muito menos contribuir para que o mundo vire uma briga de gangues, uma espécie de “West Side Story” de proporções gigantescas. De acordo com ela, em eleições recentes pelo mundo que também foram marcadas pela radicalização e pela polarização, como na França e na Alemanha, foram testadas novas ferramentas que tinham por objetivo ampliar as discussões políticas.

Uma delas ganhou na França o nome de “Perspectif”. Funcionava da seguinte forma: a cada postagem que mencionava uma ideia, frase ou proposta de um candidato, automaticamente o Face convidava o usuário a conhecer e interagir com as ideias, frases e propostas dos demais candidatos. Ainda não está definido se haverá algo semelhante sendo testado na eleição brasileira.

De qualquer modo, já é pelo Face que a maioria das pessoas se informa, interage e expressa suas convicções políticas. É o mundo virtual que forjará o futuro político do nosso mundo real. É bom que tenha serenidade e juízo ao fazer essa forja. Porque, se o resultado for ruim e nos arrependermos dele, não temos ainda a chance de nos refugiarmos na Matrix…

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