Na década de 1980, quando a Argentina democratizou-se e logo depois nós também demos fim à nossa ditadura, chegou-se a batizar o fenômeno de “Efeito Orloff”. Era uma referência a uma propaganda de vodka. Na propaganda, um sujeito de cara limpa e sem ressaca aparecia no espelho dizendo a seguinte frase: “Eu sou você amanhã”. Bem no estilo dos anos 80, quando ainda não imperava o politicamente correto, a propaganda dizia ao consumidor que ele podia encher a cara de vodka que ia ficar tudo certo. Na transferência da propaganda de bebida para a política, o “Efeito Orloff” dizia que o que acontecia hoje na Argentina aconteceria no Brasil amanhã.
Na verdade, não é apenas na Argentina, mas na América Latina como um todo que parecem se repetir nos vários países os mesmos fenômenos políticos. Quando começaram a surgir ditadores personalistas nas décadas de 1930, 1940 e 1950, havia Juan Domingos Perón na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil e Alfredo Stroessner no Paraguai. Ditaduras militares surgiram nas décadas de 1960 e 1970 em praticamente todos os países. E todos se redemocratizaram também mais ou menos na mesma época.
Agora, enquanto por aqui o presidente Michel Temer tenta aprovar a reforma da Previdência, as ruas de Buenos Aires ferveram em torno da proposta que lá também fez o presidente Mauricio Macri de reforma da Previdência. Esse texto havia sido inicialmente publicado antes da votação da reforma. A proposta de Macri foi aprovada na manhã desta terça-feira (19). O Congresso argentino tentou votar a proposta na semana passada, e a votação foi adiada por conta da violência e da confusão nas ruas, por conta da forte repressão policial. Nesta segunda-feira, o tema voltou à pauta dentro do Congresso, e nova batalha campal aconteceu nas ruas. Foi na base do soco e do pontapé que a reforma foi aprovada.
Numa conformação de centro-direita, Macri venceu as últimas eleições sobre a peronista Cristina Kirchner, que sucedeu seu marido, o falecido Néstor Kirchner. E prometeu a aprovação de reformas estruturantes, segundo ele, necessárias para a recuperação da economia. Mais ou menos plataforma bem semelhante à de Michel Temer, que sucedeu Dilma Rousseff e a era petista não numa eleição, mas após a confirmação de um processo de impeachment que parte do espectro político contesta e classifica como golpe.
Em tese, Temer também tem os votos a favor da sua reforma, como Macri tinha na Argentina. Mas lá, como aqui, o temor da reação popular adiou a votação. Aqui, não houve grandes batalhas campais em torno do tema. Mas os parlamentares também parecem temer a reação da sociedade. E adiam um tema que julgam impopular às vésperas do início de um ano eleitoral. Aqui, a reforma já ficou para o retorno do Congresso, em fevereiro.
Se segue válido o “Efeito Orloff”, é bom acompanhar o que aconteceu na Argentina. Talvez sirva de sinal para o que acontecerá depois conosco…