O serviço em português da BBC de Londres publica hoje uma interessante entrevista com o escritor paquistanês Tariq Ali, considerado uma das principais referências do pensamento de esquerda no mundo. Em tempos normais, seria desnecessário dizer que uma entrevista “interessante” não é necessariamente uma entrevista com a qual se concorda inteiramente. Em tempos normais, as pessoas se alimentariam de fontes diversas de pensamento, até divergentes, para formar as suas próprias convicções.
Nos estranhos tempos de hoje, muita gente provavelmente rechaçaria o que diz Ali somente por ser ele de “esquerda” ou por elogiar os primeiros momentos de Hugo Chavez na Venezuela. Ou, em outra ponta, por Ali fazer na entrevista críticas ao atual comportamento do PT. Como, porém, por aqui somos Divergentes e não vamos jamais perder a confiança na restauração dos tempos normais, recomenda-se a entrevista. Especialmente no que ela nos diz não somente sobre o PT e a esquerda brasileiras, mas sobre toda a atual sensação de falência da nossa política de um modo geral.
Tariq diz que a insistência do PT em manter Luiz Inácio Lula da Silva como seu candidato à Presidência da República no ano que vem revela a “falência” do partido, que não se mostrou capaz de criar alternativas, de gerar uma nova geração de líderes que pudesse tomar a frente e fazer novas propostas. Na falta de opções, encontra-se limitado a repetir o “velho líder de São Paulo”.
Esse é o ponto da entrevista que a BBC destaca para construir a sua manchete. Mas há um outro ponto na sequência, porém, da avaliação do escritor paquistanês que merece igual atenção. Segundo ele, a insistência por Lula e o fato de ele liderar com folga as pesquisas apesar de todas as acusações contra ele revela igual falência também no campo que fez oposição a ele e ao PT durante todo o tempo em que o partido esteve à frente no poder. “Mesmo que Lula seja inocentado, se candidate e ganhe – e são três coisas diferentes –, ele só ganharia porque a oposição também está falida. Não há muitas pessoas nem na direita nem no centro que você pode dizer que são honestas, mesmo sem concordar com elas”, diz Tariq.
No fundo, aí se revela o grande drama. Nosso grande arranjo nacional desde a aliança formada para derrubar a ditadura militar parece ter levado todo mundo junto para o mesmo buraco. Para Tariq, talvez porque não houve coragem para fazer grandes rupturas. Porque Lula, ao chegar ao poder, para o escritor paquistanês, tenha optado por não querer “incomodar ninguém importante”. Segundo Tariq, ao fazer essa opção, a escolha foi “trabalhar com os partidos corruptos no Congresso”.
No fundo, Tariq fala do nosso modelo de presidencialismo de coalizão, que não foi Lula nem o PT que inventaram. Que se estabeleceu já desde o governo José Sarney e que se lapidou mesmo nos dois governos Fernando Henrique Cardoso. O modelo que o senador Tasso Jereissati, no já famoso programa recente do PSDB, batizou de “presidencialismo de cooptação”. Onde o apoio é obtido na base do conhecido “toma-lá-dá-cá”.
Pense-se ou não como Tariq, faça-se ou não as escolhas ideológicas dele, nosso problema a essa altura parece ser saber o que fazer para sair desse enorme rolo político em que nos metemos…