Longa fila do lançamento do livro “A morte do Diplomata”, do querido amigo e jornalista Eumano Silva (livro que até o final de semana prometo será tema de resenha por aqui). Um deputado da base de Michel Temer comenta sobre nossa já crônica crise política, alguns dias depois da votação na Câmara que negou a licença para que o presidente fosse processado por corrupção passiva.
“Acalmou, mas continua tudo uma merda”, dizia o deputado. “O Temer precisava ser mais ousado. Estamos errando feio na economia. Não conseguimos tirar o país da recessão. Não conseguimos nos recuperar”. Para esse deputado, diante da situação, diante da impopularidade que já não tem mais muito jeito de ficar ainda maior, Temer precisaria parar de emitir sinais trocados. Ao mesmo tempo que imprime à sociedade remédios recessivos amargos – aumentando impostos, o preço dos combustíveis, propondo reformas controversas, mantém inchado seu Ministério, atende aos pedidos de uma base rodando pesado na Bandeira 2, libera emendas, multiplica cargos.
O problema é imaginar como, a essa altura, Temer poderia agir de outra forma. Acuado, impopular, alvo das investigações da Lava-Jato, Temer é refém da sua base no Congresso para continuar sobrevivendo. A sobrevivência deveria lhe garantir o oxigênio necessário para, quem sabe, desligar os aparelhos. Mas sua junta médica de 513 deputados e 81 senadores certamente não quer desligar aparelho nenhum. Precisa manter Temer na UTI, onde o tratamento é mais caro. Nosso drama é que na UTI onde se encontra o presidente vamos ficando também todos nós, que seguimos num país onde, vítima de uma crise sem fim, nada de muito concreto em termos de economia acontece desde a posse de Dilma Rousseff no seu segundo governo.
O Brasil, a essa altura, parece ter invertido aquela famosa frase do marqueteiro do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, James Carville. Na disputa de Clinton com o presidente George Bush, o republicano parecia inicialmente invencível, depois de ter vencido a Guerra do Golfo, o que demonstrava potencial de recuperar a autoestima americana depois da derrota no Vietnã. Mas o país vivia em recessão, e Carville apostava que esse aspecto fulminaria Bush e daria a chance a Clinton. Dizia: “É a economia, estúpido!”.
Em entrevista publicada nesta terça-feira (8) no jornal Folha de S. Paulo, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga nos diz que, por aqui, o que empaca hoje tudo não é a economia, mas a política. “As condições externas são favoráveis. O dinheiro está queimando na mão das pessoas lá fora, com juros muito baixos. O Brasil continua com juro alto, apesar da queda recente, o que atrai capital. Além disso, existe a percepção, a meu ver bastante correta, de que as instituições do país estão funcionando. E o balanço de pagamentos deu uma guinada enorme, o que também dá certo conforto. Apesar da confusão, o governo vem conseguindo manter viva alguma margem para a aprovação das reformas. Provavelmente, o que o mercado embute nas expectativas hoje é um 2018 tranquilo. Mas tenho receio de esse quase consenso não ser tão firme assim”, diz Armínio, na entrevista.
E onde se concentra tal receio? Na política e nas eleições, responde ele. Diante da confusão generalizada, não há o menor, mais mínimo, sinal do que se projeta para o país nos próximos meses até as eleições de outubro do ano que vem. Muito menos sobre o que se projeta para depois dessas eleições.
Depois da negativa da Câmara para o processo contra Temer, como serão os próximos dias do seu governo? Seguirá até outubro? Ou podem surgir novos fatos que o fragilizem novamente? Se seguir, seguirá como? Eternamente combalido e pagando caro por um apoio de conveniência da sua base? Com força para aprovar as reformas que propõe? E essas reformas, que resultados trarão? A economia de alguma forma se recupera? Reduz-se o desemprego? As empresas voltam a ter alguma capacidade de investimento?
E após outubro, com quem e como será? O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje favorito nas pesquisas, poderá disputar a eleição? De fato vence, dada a sua taxa alta de rejeição? Ou polariza votos para quem quer que seja seu adversário? Se vencer, dado o que ocorreu nos últimos tempos, reaglutinará o país ou aprofundará o sentimento de “nós contra eles”? Nesse caso, como “eles” reagirão? O país continuará em fogo alto?
Se Lula não disputar, ou se perder, quem se apresenta como alternativa aos olhos do eleitorado? Há margem para extremismos do tipo Jair Bolsonaro? Bolsonaro aglutinará ou aprofundará o sentimento de “nós contra eles”? Nesse caso, como “eles” reagirão? O país continuará em fogo alto?
Há margem para quem se apresenta como novo, caso do prefeito de São Paulo, João Dória? No caso, ele será novo exatamente em quê? Tem de fato soluções diferente? Ou é novo apenas na embalagem?
Se não, quem é a alternativa, num quadro político que se esfarelou por baixo, com todos igualmente enrolados nas investigações da Lava-Jato e similares? Como tal desencanto se projeta na disposição e comportamento das pessoas, componentes essenciais para qualquer perspectiva de recuperação?
Enquanto não houver um mínimo horizonte aclarando essas e outras questões, seguiremos empacados. É a política. E nós, cada vez mais estúpidos…