O sociólogo Rudá Ricci está ligado ao PT desde a fundação do partido, em 1980. Foi assessor de Luiza Erundina quando ela foi eleita prefeita de São Paulo pelo PT. Fez parte do “governo paralelo” criado por Lula em 1989 depois da sua derrota na eleição presidencial para Fernando Collor. Recentemente, escreveu livros sobre o Lulismo, a reverência política a Lula que transcende o petismo, e sobre a eleição de 2014: “Memórias de 2014, a eleição que não queria acabar”. Com o cabedal que lhe dá tanto sua formação acadêmica quanto a longa ligação com o PT, chama a atenção a avaliação que Rudá Ricci faz do quadro político eleitoral após a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4), no seu perfil do Facebook (https://www.facebook.com/ruda.ricci).
De início, ela coincide de certa forma com o que já foi dito por aqui. “Pode dar qualquer coisa em outubro”, diz Rudá. Mas Rudá avança principalmente na avaliação que faz da reação da direção nacional do PT aos acontecimentos que, na sua opinião, é “pífia”.
“A reação da direção nacional do PT foi pífia, revelando mais uma vez que este partido mergulhou num inferno astral em termos de capacidade de formulação e direção política”, avalia ele. Alguns avançaram num campo arriscado de pregar a desobediência civil. “Em seguida, e como sempre, recuaram e ficaram amuados”, acrescenta. Para concluir: “Não há estratégia ou plano política para enfrentar esta situação”.
Assim, ele alerta que “o PT vive um risco alto de, sem Lula, mergulhar numa letargia política sem alma”. Ao longo da sua vida, o partido nunca construiu alternativas a Lula. Aí, vai acréscimo meu. Ao contrário, muitas vezes o partido tratou de tolher a possibilidade de alternativas a Lula. Um caso notório foi a própria Erundina, que bem poderia ter sido, caso tivesse havido estímulo para isso, a primeira mulher presidente do Brasil, em vez de Dilma Rousseff. Mas os perfis políticos do partido que pudessem fazer sombra a Lula sempre foram desestimulados. Quando houve uma eleição que ele, por força da lei, não podia disputar, a solução que ele encontrou foi criar Dilma Rousseff. Deu no que deu…
“Não há uma orientação política para a militância, orientação para organização de base, algo que acumule politicamente na sociedade ou nos segmentos sociais que podem dar sustentação política ao partido”, observa. Para Rudá, o retrato do PT hoje seria: “Uma cúpula débil com um exército em frangalhos”.
Em determinado momento, a avaliação de Rudá parece coincidir com a que a feita pela pré-candidata do PCdoB, Manuela D’Ávila, em entrevista à Folha. Se coincide nas esquerdas a avaliação de que Lula é vítima de uma perseguição e que, por isso, deve ser defendida a sua participação nas eleições de outubro, que a esquerda faça essa defesa. Mas que não fique apenas nela, diante da cada vez mais provável chance de Lula não disputar a eleição. Assim, Manuela prega na entrevista que “se troque o pneu com a bicicleta andando”, ou seja, que ao mesmo tempo se construa uma aliança alternativa para viabilizar um nome forte do campo para a disputa na ausência de Lula.
Rudá observa que a Executiva Nacional do PT deliberou uma resolução sobre a formação de aliança com as forças de esquerda. “Apenas Ciro Gomes parece ter se apresentado e, embora, sem nenhuma informação oficial, parece ter se reunido com Lula para discutir a possibilidade de formação de uma chapa com o PT”, continua. “Sem notícias concretas, a resolução da Executiva Nacional do PT parece, ao menos a impressão, ter sido desmoralizada”.
“O partido vive, então, uma crise de direção considerável, mas a desorganização e fragmentação da militância acaba por não gerar reação contra erros sucessivos do comando do partido”, analisa o sociólogo. O sentimento de revolta que a militância parece ter sobre o que enxerga como “desmandos” do Judiciário, dos partidos que levaram Dilma ao impeachment, dos meios de comunicação, etc, não gera, considera Rudá, “uma ação política responsável e decidida” capaz de alterar esse quadro. “O PT, o maior partido de esquerda que governou este país por mais de uma década, se revela frágil e embalado numa descarga de energia contra tudo e todos, numa espécie de luta contra moinhos imaginários”, considera ele.
Rudá observa que o quadro que se apresenta para outubro, tomando-se como base as pesquisas agora, não parece autorizar a repetição da polarização PTXPSDB que vem marcando as eleições até aqui. Se Lula vive as dificuldades da sua candidatura na Justiça, o PSDB parece ser o partido politicamente mais prejudicado, do ponto de vista eleitoral, pela situação pós-impeachment. Se armou isso tudo, pode ter acabado por dar um tremendo tiro no pé. “Surpreendentemente, parte significativa do eleitorado identifica a agenda de destruição dos direitos sociais como responsabilidade dos tucanos”, analisa, atribuindo a isso o desempenho fraco das opções do PSDB nas pesquisas.
Tudo isso, somado com a multidão de gente que hoje se retira do jogo eleitoral caso Lula não seja candidato – a enorme quantidade de eleitores que diz que votará então em branco, nulo ou se abster -, torna a eleição de outubro uma loteria. “Não há mais certezas, já que rebaixamos significativamente o perfil dos candidatos nesta eleição”, considera Rudá. “Chegamos nesta quadra da vida nacional em que tudo o que parecia sólido no reino da política se desmanchou no ar”.
Aí, Rudá fecha suas considerações observando que teríamos chegado à nossa versão tupiniquim do 18 Brumário. Depois da Revolução Francesa, a França adotou por um tempo um calendário próprio diferente do calendário romano. E 18 Brumário refere-se a uma data no calendário da Revolução Francesa. No caso, a data em que Napoleão Bonaparte deu um golpe nos revolucionários e instalou-se no poder.
No nosso caso, Rudá não diz no seu post, o 18 Brumário bem pode resultar na ascensão por aqui de um Napoleão de hospício…