Não há limite para a embriaguez moral de Gilmar Mendes. Ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral – pelo menos até onde consta -, ele conseguiu, de uma forma que merece ser estudada, capturar toda a raiva do brasileiro pelas mazelas e baixezas da Justiça brasileira. Ainda que a libertação serial de ricaços ajude na conspiração contra a sua imagem, é mais complexo do que isso. Até muito pouco tempo atrás, duvidar da lisura de um ministro do Supremo era coisa para iniciados – normalmente, petistas. Hoje até Veja faz capa e Augusto Nunes acha que o sujeito é “caso de polícia”. Muito mais relevante de ler, Elio Gaspari escreveu um grande texto, “A supremacia de Gilmar Mendes”, nas páginas de O Globo e Folha, descrevendo a “bipolaridade” do comportamento do magistrado. A última cereja do bolo foi um vídeo curtíssimo, que bombou este final de semana, mostrando Gilmar, à paisana, pelas ruas de Lisboa, hostilizado por duas brasileiras que o reconheceram e seguiram.
Mudo, com um sorriso patético, ciente de que estava sendo gravado, Gilmar caminhava a esmo – ou para algum tipo de posteridade típica dos párias. Vivendo em estado permanente de suspeita, com suas decisões malandras, Gilmar sequer disfarça. Ele acumula as funções de magistrado e de empresário do ramo educacional – sua ida a Portugal, por sinal, foi para participar de um seminário como representante do seu Instituto Brasiliense de Direito Público, o célebre IDP. Como se sabe, o grupo J&F, que controla a JBS, gastou nos últimos dois anos, R$ 2,1 milhões em patrocínio de eventos do IDP. Jura que devolveu parte do dinheiro. Ao mesmo tempo, a advogada Guiomar Feitosa, mulher de Gilmar, é sócia do escritório que defende interesses de Eike Batista, ainda que não tenha patrocinado a petição que levou Gilmar a libertá-lo. Aliás, o cidadão nunca se declarou impedido em nenhuma causa.
Sabe-se que o último registro de viagem do ministro a Portugal remete a novembro do ano passado. Aparentemente, Gilmar foi interpelado pelas senhoras do vídeo em frente ao tradicional restaurante e confeitaria Benard, na capital portuguesa, onde esteve para participar do tal seminário internacional. A frase mais perceptível do vídeo podia ser um resumo da obra do magistrado. “O senhor é de uma injustiça imensurável”, bradou uma das senhoras. A palavra “vergonha” também é ouvida algumas vezes – e parece ecoar até agora. Gilmar é assim, uma espécie de termômetro da Justiça, só que ao contrário. Se ele mandar soltar algum preso é porque, muito provavelmente, essa pessoa devia estar presa. Se vota entusiasmado por uma causa é porque ela interessa a poucos, e não ao país. Se insufla um debate, não tenha dúvida: é o caminho errado. Não se sabe quem são as duas brasileiras que hostilizaram Gilmar em terras lusitanas. A única certeza é que elas estavam do lado certo.