Lula e Bolsonaro, líderes nas pesquisas de intenção de voto para presidente, têm mais em comum do que supõe nossa vã cultura política. Neste fim de semana, ambos mandaram recado duro para o maior grupo de comunicação do país. Capa da revista Carta Capital, com o título “Lula contra o mercado e a Globo”, ilustrada internamente com foto de Roberto Irineu Marinho, presidente do Conselho de Administração da corporação, a matéria diz que, desta vez, se conquistar um terceiro mandato, Lula vai promover a chamada democratização dos meios de comunicação – algo meio incerto que pode ir da criação de um conselho paraestatal para regular o setor até a improvável cassação de suas concessões. O discurso, no entanto, tem sido duro. Lula está irritado com o fato de ser vendido pela grande mídia como um perigo para o “mercado”, mesmo já tendo sido presidente duas vezes. O mesmo “mercado” que, ressalvas de praxe, parece admitir Bolsonaro, que nunca governou uma cidade. “Eu, inclusive, estou pedindo a Deus que a Rede Globo tenha um candidato. Porque, se tiver um candidato, a gente vai colocar o logotipo da Globo na testa dele para derrotá-lo nas urnas, nas eleições”, disse Lula, há alguns dias, em um comício na mineira Diamantina.
Mas não foi só Lula quem elegeu a Globo como alvo da hora – algo que não se via desde a campanha vitoriosa a prefeito de Marcelo Crivella, no Rio. O bispo do PRB e da Igreja Universal atacou grupos de comunicação, como Globo e Abril, mas algum tipo de paz conveniente acabou sendo selada entre todos depois que ele foi eleito.
Bolsonaro segue na mesma rota. Em um vídeo publicado em seu perfil no Facebook, o deputado-capitão afirmou que, caso seja eleito presidente, irá “fazer justiça” e reduzir a verba publicitária para “O Globo”. Não fica claro se ele se refere apenas ao jornal ou a todos os veículos do grupo. “Vocês aí têm uma audiência de 40%, do ‘Globo’. Mas pegam 80% da propaganda oficial do governo, que em grande parte, sustenta a mídia. Se eu chegar lá, vou fazer justiça, vão perder metade disso, vão ganhar só 40%”, afirmou, em vídeo.
Será que a disposição de Lula e Bolsonaro seguirá firme até o fim? Com Bolsonaro, nada é seguro – nem a própria democracia. Mas um sinal de que, no mínimo, o PT quer fustigar o grupo em um momento de baixa imunidade é que o partido pediu ao Ministério Público Federal, ao Ministério das Comunicações e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que investiguem a Globo e seu presidente Roberto Irineu Marinho. Como justificativa, um julgamento em Nova York sobre bandalheiras na CBF que expôs fragilidades éticas de quem cobra métodos republicanos dos outros.
Uma testemunha, o argentino Alejandro Burzaco, ex-executivo de uma offshore atuante com esporte, acusou a Globo de pagar propina pelos direitos de transmissão de Copas do Mundo e Libertadores da América. A denúncia foi reforçada perante o tribunal do júri, no dia 29/11, por um ex-braço direito dele, Jose Eladio Rodríguez. No Senado, o PT aprovou a proposta de fazer um debate sobre o escândalo com a presença de um dirigente da Globo e de um ex-executivo, Marcelo Campos Pinto, outrora todo-poderoso nos negócios esportivos da emissora. A Globo nega tudo e tem tentado fazer uma “cobertura imparcial” do caso – se é que isso é possível.
Quem deve estar sorrindo de algum lugar nos pampas alados, com aquela cara de “eu avisei”, é o caudilho Leonel Brizola. Ninguém questionou mais o monopólio do grupo e ameaçou mais vezes caçar a concessão da Globo do que o quixote gaúcho. Ao longo de toda a sua trajetória, Brizola sofreu feroz oposição da Globo, com veto ao seu nome e imagem, censura rompida há quase um quarto de século com um histórico direito de resposta, lido ao vivo no Jornal Nacional pelo então apresentador Cid Moreira. “Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos, que dominou o nosso país. Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações”, diz, em trecho, a carta de Brizola que gelou o país.
Lula e Bolsonaro, que por enquanto só conhecem o discurso anti-Globo, têm muito o que aprender.