Após 80 anos de convivência, nos habituamos às normas imperativas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As origens da legislação trabalhista são conhecidas. Foi gerada no ventre do Estado Novo, implantado por Golpe de Estado em 10/11/1937. Sobreviveu às constituições de 1946, 1967 (Emenda nº 1/1969), e à Constituição de 1988.
O jurista mexicano, Mario De La Cueva, autor do Derecho Mexicano del Trabajo, dissertando sobre as características do Direito do Trabalho sustentou que é inconcluso, concreto, imperativo e alimentado pelo impulso à expansão.
No Brasil, a evolução do Direito do Trabalho observou a mesma tendência. Na versão de 1943, a CLT considerou empregadores, além das empresas individuais e coletivas, profissionais liberais, instituições beneficentes, associações recreativas, e outras instituições sem fins lucrativos que admitam trabalhadores como empregados (art. 2º, § 1º). Excluiu empregados domésticos, trabalhadores rurais, servidores públicos civis, extranumerários e de autarquias paraestatais (art. 7º).
Para receber a proteção da CLT não basta ser trabalhador. Exige-se que seja empregado, definido como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (art. 3º). Haverá pessoalidade e subordinação direta (Súmula n. 331).
A CLT não tratou do desemprego e da proteção ao desempregado. Relativamente ao trabalhador autônomo, porém, a legislação não foi omissa. A Lei nº 4.886, de 9/12/1965, “Regula as Atividades dos Representantes Comerciais Autônomos”, definidos no art. 1º, como “pessoa física ou jurídica, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução do negócio”.
Anos depois, a Lei nº 11.442, de 5/1/2007, regulamentou a atividade do TAC – Transportador Autônomo de Cargas, “pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas sua atividade profissional”. TAC-independente, na forma da lei, é quem presta serviços de transporte de carga, em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem. TAC-agregado quem coloca veículo de sua propriedade, ou posse, dirigido por ele próprio ou preposto seu, a serviço de terceiro, mediante acerto imediato.
Segundo disposições expressas de lei, as relações decorrentes do transporte de cargas são comerciais (art. 5º), competindo à Justiça Comum o julgamento de ações oriundas de contratos dessa natureza (parágrafo 3º).
A situação do motorista de Uber é objeto de acirradas discussões, provocadas pela interpretação do inciso I, do art. 114, da Constituição da República, que atribui competência à Justiça do Trabalho para julgar “ações oriundas da relação de trabalho”.
A redação do dispositivo é de má qualidade. Peca por falta de clareza. “Se a lei não for certa não pode ser justa. Para ser certa, porém, cumpre que seja precisa, nítida, clara”, escreveu Rui Barbosa. O jurista mexicano Lucas Alaman ensinou: “Nas leis, nada pior do que o indefinido”.
O que significa “ações oriundas da relação de trabalho”? Relação exprime a ideia de conexão ou ligação íntima entre coisas ou pessoas (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa – Michaelis). Cliente e advogado contratam a realização específica de determinado serviço. Situação semelhante se dá entre o proprietário e o pedreiro pago para rejuntar o piso do banheiro, o médico e o doente em busca de tratamento. Ou a diarista que trabalha em casa alheia duas vezes por semana. Entre eles não se estabelece relação de trabalho ou de emprego, no sentido jurídico da expressão, mas contrato de natureza civil.
O motorista do Uber presta serviços eventuais. Reserva-se o direito de recusar chamados. Não tem horário, salário, subordinação ou dependência. É autônomo. Não é empregado.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho