A transferência de Lula para uma penitenciária foi um fiasco. Nem mesmo a ditadura argentina, a mais cruel da temporada militarista da América do Sul nos anos 60/70, fez algo tão desajeitado assim.
A presidente deposta, Isabelita Perón, foi mandada presa para uma casa digna, no Sul do País. Lá, ficou fazendo jardinagem e costurando até ser solta e mandada de volta para a Espanha, onde viveu até morrer na mansão de Ciudad Puerta de Hierro, nas cercanias de Madrid.
No Brasil, nenhum governo, civil ou militar, legal ou golpista, encarcerou ex-mandatários. Todos os derrubados foram para o Exterior.
Dom Pedro I, que abdicou sob pressão irresistível de movimentos de rua e ameaça de rebelião das tropas, embarcou num navio inglês e foi para a Europa. Lá voltou a ser Pedro IV e botou sua filha brasileira no trono de Lisboa, a rainha Dona Maria II. No Brasil, deixou seu filho de cinco anos que cresceu e foi rei por quase 50 anos completos.
Este menino, Dom Pedro II, deposto por um golpe militar, também foi embarcado em um navio confortável e mandado para longe do Brasil.
O outro derrubado, Washington Luís, em 1930, pela revolução de Getúlio Vargas, foi tirado do Palácio do Catete pelo Cardeal Dom Sebastião Leme, e embarcado civilizadamente para Portugal.
O seguinte, o próprio Vargas, foi remetido para a longínqua fronteira argentina, recolhendo-se às terras de sua família, na Fazenda Santos Reis, em Itaqui. Ficou famosa a estância do Itu, de seu irmão Protásio,como o retiro do ditador. Entretanto, Getúlio mudou-se para lá depois que sua candidatura pegou força. Itu tinha pista de pouso para bimotores e melhores instalações para acolher a revoada de aeronaves e a fila de visitantes que passaram a frequentar São Borja.
Jânio Quadros voou para São Paulo e embarcou para Inglaterra sem ser incomodado. Voltou ao Brasil sem problemas, mas foi confinado pela Ditadura em Corumbá, na fronteira com a Bolívia.
João Goulart, derrubado por um golpe militar, refugiou-se em sua fazenda em São Borja, permanecendo alguns dias sob as vistas grossas dos militares, até se convencer de que estava deposto, pegando seu avião e se exilando no Uruguai.
Fernando Collor também não teve constrangimentos. Logo que caiu, num processo político legal, mudou-se para Miami, nos Estados Unidos. E lá ficou até ter certeza de que estaria livre, mesmo caçado, com uma sentença de absolvição criminal exarada pelo Supremo.
Dilma Rousseff sequer deixou o país. Também diferentemente de seus antecessores, que voltaram à vida política com mandatos eletivos, ela não venceu as eleições de senadora por Minas Gerais.
Permanece na ativa. É possível que volte às disputas eleitorais no Rio Grande do Sul, onde deixou uma base consistente na esquerda gaúcha, para tentar um mandato em 2022.
O caso do ex-presidente Lula, portanto, é uma anomalia histórica. Logo depois da condenação em primeira instância, Lula pediu licença para viajar ao exterior, a convite das Nações Unidas. Seria o momento para uma retirada elegante. Ficaria no estrangeiro, sob proteção da ONU. Tudo certo.
Porém, veio um juiz de primeira instância que nada tinha com o processo da Lava Jato e caçou o passaporte do ex-presidente na entrada de um fim-de-semana. Sem tempo para recorrer, ele perdeu a viagem. E os governos brasileiros de se livrarem do abacaxi.
E aí está ele voltando ao primeiro plano, turbinado por mais uma operação desastrada de juízes afoitos ou, se for assim, pior, sedentos de mídia. A juíza de Curitiba, que andava longe das páginas, despachou-o para São Paulo.
E o juiz paulista, querendo fazer figura, mandou o ex-presidente para dividir espaço numa penitenciária com o líder nacional do PCC, Marcola, e outras celebridades do crime. Qual nada, o STF brecou o fiasco a tempo.
Nada mais brega. Mais um gol contra do Judiciário.