A primeira sessão plenária do Supremo Tribunal Federal após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) no último domingo (28) pode ser classificada como um recado claro e direito ao presidente eleito. No julgamento, que analisava a liminar da ministra Cármen Lúcia que anulou todas as decisões judiciais e administrativa que autorizavam a entrada de agentes públicos em universidades, e que geraram polêmica na academia semana passada, não faltaram (in) diretas.
Numa defesa enfática da democracia, da liberdade de expressão e da autonomia universitária os ministros criticaram abusos estatais e a entrada de policiais e fiscais em universidades, inclusive sem ordem judicial em alguns casos. E, mais do que isso, asseguraram de forma clara e veemente que o Supremo vai atuar em caso de autoritarismo ou violação constitucional.
A primeira a votar foi a relatora. E foi histórico. Disse Cármen Lúcia: “As medidas questionadas destoam e afastam-se de quaisquer dos princípios garantidores da democracia. É dever do poder Judiciário, e em especial do Supremo Tribunal Federal, a guarda da Constituição. Qualquer ato estatal contra a liberdade de manifestação é afrontoso, sobretudo na área do ensino universitário”.
A ministra ainda defendeu a universidade como espaço de discussão política de ideias, ideologias e propostas, contrapondo a declaração dada por Bolsonaro, na qual diz que “a universidade não é lugar disso”. “A única força legitimada para invadir as universidades é das ideais, livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse é tirana, e tiraria é o exato contrário da democracia”, disse Cármen Lúcia, enfatizando que “a liberdade é o pressuposto necessário para o exercício de todos os direitos fundamentais”.
O ministro Alexandre de Moraes, acompanhando o entendimento de Cármen, chamou de censura prévia as ações realizadas em universidades e disse que esse tipo de decisão fere o pluralismo político, a troca de ideias e o exercício dos direitos políticos. “Como uma decisão judicial pode impedir uma aula que ainda vai acontecer? A liberdade de reunião é claramente garantida na Constituição”, afirmou Moraes.
Gilmar Mendes também referendou a liminar, lembrou da queima de livros em universidades na Alemanha em 1933 por policiais a pedido do regime nazista e criticou todo o tipo de censura nas faculdades. Mendes ainda mencionou o caso da deputada estadual eleita Caroline Campagnolo (PSL-SC), que pediu que alunos filmem professores. “É inadmissível que justamente no ambiente em que deveria imperar o livre debate de ideias, se proponha um policiamento político-ideológico da rotina acadêmica”, disse o ministro.
Votando logo depois, o ministro Luis Roberto Barroso chamou as ações em universidades de “atos inequivocadamente autoritários” e disse que a liberdade de expressão é uma norma constitucional superior a qualquer outro dispositivo previsto na Constituição Federal e nas leis. “A liberdade de expressão é uma liberdade preferencial dentro de um Estado Democrático de Direito”, afirmou.
Edson Fachin votou em seguida e disse que, tanto nos atos de fiscais e policiais, quanto nos despachos judiciais em discussão, encontrou afronta direta à Constituição. “A Constituição está acima de todos. De eleitores a candidatos. De juízes e jurisdicionados”, disse.
O ministro ainda leu a nota do Conselho Universitário da UFPR contra as ações em universidades, repetindo: “É pela educação que edificaremos uma nação mais justa e desenvolvida – jamais pela manipulação de informações, pela desqualificação do outro, pelo desrespeito ao diferente e pela restrição de liberdades.”
Presidindo a sessão, Celso de Mello foi o último a votar. Decano da corte, o ministro fez uma defesa da atuação do Supremo Tribunal Federal e disse que os poderes precisam se submeter ao ordenamento jurídico. “Ninguém, inclusive os detentores do poder Legislativo, do Executivo e do Judiciário, pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios, uma vez que a relação de qualquer dos três poderes com a Constituição Federal há de ser de incondicional respeito”, afirmou.
Celso ainda defendeu o respeito irrestrito à liberdade de reunião e às universidades por parte do aparelho estatal. ”O Estado não pode cercear, o Estado não pode interferir, o Estado não pode obstruir, o Estado não pode frustrar e o Estado não pode desrespeitar a liberdade fundamental de expressão. Regimes democráticos, como todos sabemos, não convivem com práticas de intolerância ou comportamentos de ódio”, declarou.
O julgamento foi unânime. Os nove ministros (Marco Aurélio e Fux não participaram) votaram para manter suspensas as operações de agentes públicos em universidades, e, se esse resultado não foi mensagem tão clara da Suprema Corte a todos, Cármen Lúcia relembrou a célebre frase de Ulysses Guimarães. “Traidor da Constituição é traidor da pátria”. O voto “irretocável” da ministra rendeu um elogio de Fachin. “Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não”, disse o ministro, citando Manuel Alegre.