Sabe a piada do estúpido?
O estúpido foi a um almoço oferecido por empresários da indústria na cidade do Rio de Janeiro e defendeu a necessidade de se “enfiar a faca” no Sistema S, financiado pelas empresas com o objetivo central de capacitação profissional.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, não estava fazendo graça quando deu essa declaração, na segunda-feira, em almoço na Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), embora, aparentemente, tenha mirado na repercussão das palavras ditas ao microfone.
Guedes ganhou as manchetes, mas não a simpatia dos empresários para uma ideia que já havia divulgado quando a transição de governo dava os primeiros passos, logo no início de novembro.
Como disse Marcos Cintra, que vai assumir a Receita Federal ou coisa que o valha, não há nada definido. Isso faz parecer ainda mais estranho que Paulo Guedes, na condição da grande estrela do almoço da Firjan, tenha resolvido “puxar a faca” para atacar o Sistema S.
Instituição cobiçada
O sistema existe desde 1940. É formado por nove instituições de direito privado, quase todas vinculadas a confederações patronais, a exemplo do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional da Indústria (Senai) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat).
Os recursos, que chegam a R$ 19 bilhões por ano, entre repasses da Receita Federal (R$ 17 bilhões), com base em impostos pagos pelas empresas, e destinações feitas diretamente pelas empresas, são alvo da cobiça do Poder Público.
Em 2003, no início do governo Lula, quando o ex-sindicalista Jair Meneghelli assumiu o Serviço Social da Indústria (Sesi), o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, também de origem sindical, avisou ao presidente da CNI, Armando Monteiro: “Nós vamos mexer no Sistema S.”
Faltou dizer que Jair Meneghelli fez curso de ferramentaria no Senai, quando começou a trabalhar no ABC Paulista.
Meneghelli ficou oito anos na presidência do Sesi, onde ganhou um bom dinheiro. Lula não mexeu no Sistema S. Dilma Rousseff bem que tentou, por intermédio de Joaquim Levy, que foi ministro da Fazenda no início do seu segundo mandato, em 2014, mas a proposta do Executivo não chegou a ser enviada ao Congresso.
Mexer no Sistema S não é medida simples, uma vez que as contribuições dos empregadores destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional estão previstas na Constituição. Mexer na Constituição exige sensibilidade e convencimento. Não é propriamente “enfiar a faca”, para repetir as palavras de Paulo Guedes.
Não está claro o que Guedes e equipe querem com isso. Guedes falou em corte, de 30% a 50%. Marcos Cintra faz menção a algo mais amplo, no sentido de uma política de desoneração da folha de pagamento.
Pode ser, mas, a princípio, a transferência da qualificação profissional do Sistema S para empresas especializadas apenas muda a fonte da oneração
O Sistema S tem distorções e desvios de finalidade que precisam ser corrigidos, tais como os prédios suntuosos, as mordomias e os almoços, como este da Firjan, para o qual Paulo Guedes foi convidado como a grande atração.
Os bons serviços prestados e a relevância do papel desempenhado nas regiões mais pobres do país merecem, contudo, ser tratados com mais atenção e sensibilidade.
Lembrai-vos dos médicos cubanos e do trabalho de interiorização que faziam.
* Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise