No texto anterior, o divergente José Antônio Severo fala sobre a raiz do combate à criminalidade. Aponta que, desde o ano de 1893, o governo usava o Norte do país para mandar prisioneiros aos campos de concentração. O final desse método foi em 1924, durante o governo de Arthur Bernardes, quando quase todos os prisioneiros foram mortos.
Na década de seguinte ficou conhecida a atuação do chefe de polícia tenente João Alberto, líder político e militar da Revolução de 30, ex-interventor em São Paulo, que ocupou as favelas do Rio de Janeiro com os célebres “catarinas”, como eram chamados os “cabeças vermelhas”, membros da Polícia Especial, integrada por policiais recrutados no Sul, principalmente em Santa Catarina, nas colônias alemãs. Os catarinas deixaram sua marca pela truculência e o espírito de tropa de ocupação estrangeira, produzindo uma pacificação discutível.
No decênio de 1950, no apagar das luzes do Rio como Distrito Federal, o general Amaury Kruel, herói da Segunda Guerra nomeado chefe de polícia pelo presidente Juscelino Kubitschek criou um grupo de elite que ficou muito famoso, os chamados “12 Homens de Ouro”, no modelo dos Intocáveis do delegado norte-americano Eliot Ness, do FBI, celebrizado por uma série da televisão, que combateu a pentes de metralhadoras à máfia nos anos 1930. O resultado foi que os “Doze Homens”, geraram o esquadrão da morte carioca, também conhecido como “Scuderie Le Coq”.
Depois disso veio o secretário de Segurança do ex-governador Sérgio Cabral, José Mariano Beltrame, com suas polícias pacificadoras, que marcaram a história contemporânea da segurança pública do Rio. Em comum, Beltrame e Kruel têm a mesma naturalidade, pois ambos são filhos da cidade universitária de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Como resultado de todos esses atores, não obstante Onça com seu porrete, Floriano Peixoto, Rodrigues Alves e Arthur Bernardes com seus campos de concentração, ou Getúlio e Juscelino com seus “catarinas” e “homens de ouro”, nada mudou.
Rio de Janeiro continua lindo. Como sempre foi. Uma das paisagens mais belas da natureza, a baia da Guanabara encanta e continua a deslumbrar até mesmo quando a indelicadeza dos meliantes deixa turistas e visitantes no meio de tiroteios, arrastões ou simples assaltos à mão armada.
O crime carioca é tão diferente que o Rio é a única cidade do mundo que oferece pacotes turísticos para zonas de conflagração, como os tours guiados pelas favelas, organizados por companhias de turismo e vendidos no Exterior. É como se o Estado Islâmico ou o Boko Haram oferecessem passeios às zonas de extermínio do Oriente Médio ou da África.
Já a população local da imortal Velhacap, como a cidade ficou conhecida quando se criou a Novacap para construir Brasília, nos anos 1950, reclama, espanta-se, grita, mas não deixa a cidade. Então parece ser este o destino do Rio, uma mistura de metrópole moderna de padrão mundial, com uma versão aperfeiçoada do filme “Gangues de Nova York”, de Martin Scorsese.
Já ficou no passado o tempo em que o Rio de orgulhava de suas peculiaridades, o pobre era feliz nas poéticas favelas o malandro dava duro no baralho, a revista O Cruzeiro mostrava com orgulho para o mundo a cidade dos contrastes, com favela e asfalto convivendo no mundo feliz da obra imortal de Vinícius de Morais, Orfeu da Conceição, levada às telas pelo francês Marcel Camus e premiado em 1959 com a Palma de Ouro em Cannnes e com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960 em Hollywood, com o título sugestivo de “Orfeu do Carnaval”.
Pois é esse mesmíssimo Rio de Janeiro que está na berlinda por causa dos intermináveis tiroteios, que vêm desde os tempos dos bacamartes, passou pelos trabucos, revólveres e agora chega como fuzis de última geração. E os cariocas continuam espantados.
Problema de segurança não é novidade no Rio de Janeiro. Criada como porto para exportação de ouro das Minas das gerais (serras) e importação de escravos da África, desde sua fundação foi um covil de contrabandistas e traficantes. Nesses tempos, nos Séculos XVII e XVIII, a metrópole portuguesa manteve, prudentemente, a administração da colônia distante daquela baia maravilhosa que seria de refugio para navios que demandavam o Oriente ou que desembarcavam mercadorias que evitavam o leão da alfândega da Bahia, como se chamava então a cidade plantada na baia de São Salvador. Daí para frente não melhorou quase nada.