Semipresidencialismo é a fórmula concurso público versus urna

Nelson Jr./ ASICS/ TSE

Concurso versus urna. O semipresidencialismo está em gestação no ventre do sistema político brasileiro. É bem mais do que eufemismo para driblar a derrota do parlamentarismo no plebiscito. O novo modelo político pretende botar o Brasil nos trilhos. Isto significa restaurar o velho e proverbial poder da burocracia nacional, que desde Pero Vaz e Caminha comanda a administração e a gestão do Estado. Os políticos fazem leis e apontam caminhos, mas é o funcionalismo, em todos os níveis, que, de fato, faz o País andar para a frente. Isto não é uma firmação ideológica, mas História.

Ao contrário do que se fala sem muito conhecimento, esse novo regime não vem para fortalecer políticos (deputados, senadores ou o que seja), mas, como no passado histórico deste País, para assegurar que a gestão da máquina não seja contaminada pelo imediatismo dos eleitos que, embora necessários para o funcionamento do estado, só atrapalham e comprometem a administração pública. Assim é o Brasil.

Vamos à parábola: o Brasil sempre foi um país diferenciado nas Américas por causa dessa estrutura do estado, desde os primeiros tempos coloniais. Em 1536 instalou-se a primeira câmara de vereadores, em São Vicente, São Paulo, composta pelos habitantes da vila: cristãos novos, mulatos livres e mamelucos. A administração era composta exclusivamente pelos lusitanos. Na colônia, dois poderes: o político, crioulo, eleito; e o de verdade, enviado de Portugal pela coroa.

A assim foi e veio ate nossos dias, com maior ou menor intensidade da participação dos gestores profissionais, atualmente selecionados entre os melhores, concursados e testados em qualificações rigorosas de saúde, legitimidade dos títulos, procedência de qualificações profissionais, antecedentes civis e criminais. Tudo provado e re-provado.

Um concurso para cargos de carreira relevantes nos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo é o funil mais estreito em nosso País. Demanda anos de estudo e preparação esmerada. E reconheçamos: aí só vale o mérito, ganha a melhor nota. Alguns concursos são legendários, como a disputa monumental por uma vaga no Instituto Rio Branco do Itamaraty. Se há uma coisa realmente seria neste País, além do jogo do bicho, é prova de concurso público.

No outro lado do poder estão os eleitos e seus apaniguados, grande parte destes aboletados em cargos públicos (nacionais, estaduais ou municipais, não faz diferença), com direitos “conquistados” e estabilidade garantida. Entretanto, num uns nem outros detém as mesmas prerrogativas dos concursados para os poderes do estado, como juízes, militares, catedráticos, delegados e outros.

Foto Orlando Brito

Os concursados governam o estado; os eleitos governam a administração e a política. Estes dois pólos têm, pontos de contato. De fato a última palavra é dos eleitos, porque são estes que fazem as leis. Entretanto, como se vê no caso da reforma da previdência dos servidores púbicos de alto escalão, não é fácil. Eles têm muito poder.

Esse e o diferencial histórico do Brasil em relação as demais repúblicas americanas. Não foi a monarquia com sua cabeça coroada, como se costuma dizer, que deu ao Brasil uma segurança institucional que só teve paralelo nos Estados Unidos, no Hemisfério Ocidental.

O que fez do Brasil um País com trajetória única foi o parlamentarismo do Império, que deu segurança institucional. Tivemos no século XIX tantos governos quanto os vizinhos hispânicos. Entretanto, fora o curto período da regência, quando levantes armados infestaram o País, as mudanças de governo, com alternância de partidos, dava se sem derramamento de sangue.

Com isto o Brasil só foi conhecer tiranias no Século XX, já no regime republicano. Entretanto, a continuidade se dava por causa da estabilidade do serviço público e não pelo amadurecimento do eleitorado ou da classe política.

A reforma política deverá ser feita pelos profissionais, ou seja, pelos servidores públicos. Isto explica por que o presidente Michel Temer chamou um ministro do Supremo para organizar o novo regime. Se deixar na mão dos políticos, é o que se diz, virá outro monstrengo que nem uma parte volumosa da constituição de 1988. Por isto Tancredo Neves instituíra a comissão de sábios descartada pelos políticos e causa de grande parte dos problemas da constituição cidadã.

Este artigo não é uma tese do autor. Apenas a observação de um repórter que ouviu especialistas em história política do Brasil. Segundo estas fontes, todas as tentativas de ultrapassar o sinal batendo de frente com os privilégios dos servidores, deram em nada. Em 1964 os militares, com seus expurgos, tentaram quebrar a espinha do funcionalismo petebista. Não conseguiram. Fernando Collor, com sua guerra aos ”marajás” venceu as eleições, mas teve de engolir de volta todos os demitidos. Por isto há muitas dúvidas se Temer conseguirá vencer as resistências dos servidores de alto nível salarial. Em verdade não são os barnabés que comem a parte do leão da previdência. Não é por nada que esse estamento chegou onde está.

Como dizia o conselheiro Acácio: “quem viver verá”.

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