Chicoteados hemorragicamente pelo Supremo Tribunal Federal, os rocins autoritários da estrebaria bolsonarista vão arquejando e exibindo uma fadiga que se avizinha da capitulação. O furor beligerante de outrora, o método de intimidação e enfrentamento dos Poderes, vai perdendo adeptos e estridência diante da domesticação altiva da democracia. Os tigres bravios de outrora, agora são gatinhos compungidos. Os leões indomáveis, de rugidos tonitruantes, deram lugar a feras exauridas, miando enjauladas.
Apenas os ginetes furibundos, muito próximos ao capitão, ainda vociferam contra as instituições, mas timidamente. Os mais extremados estão trancafiados e anestesiados pelo arrependimento. Uma série de bizarrices inacreditáveis vai minando, a passos largos, o frágil capital político governista, entremeado de gente desqualificada e sem compromisso com o país.
Roberto Jefferson é um ladravaz longevo, símbolo da vileza da “nova política” bolsonarista. Voltou a ser preso na sexta-feira 13 de agosto de 2021, um mês tradicionalmente agourento, especialmente para o PTB, legenda que comanda. A determinação foi do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura a atuação das milícias digitais contra a democracia. Em sua primeira estadia na cadeia – em 2014 por corrupção – ficou pouco tempo no Instituto Penal Coronel PM Francisco Spargoli Rocha, em Niterói. Agora mudou de ares e está detido em Bangu 8. Jefferson vai alargando seu trote trôpego pelo Código Penal com crimes mais graves, agora contra o Estado Democrático de Direito. Na decisão que embasou a prisão o ministro Alexandre de Moraes diz que o salteador faz parte de uma “possível organização criminosa” que busca “desestabilizar as instituições republicanas”.
Os excrementos vocalizados por um poltrão sentenciado por corrupção são estarrecedores. Os alvos mais recorrentes dos coices golpistas são STF e a CPI da pandemia do Senado: “Organização Criminosa é o Supremo. Orcrim. Uma organização de crime contra a Constituição, contra a dignidade humana”, disse. Depois pregou abertamente um golpe contra os ministros do STF: “aposenta dez ministros do Supremo, menos o Kassio, (…). Mas pega aqueles dez satanazes… as duas bruxas e os oito satanazes, você aposenta, manda pra casa.” “Tirando esses caras de lá já é uma limpeza; já é uma patrolada. (…) aquelas duas bruxas e aqueles nove urubus que tem lá. Nove não, oito. (…) Duas bruxas e oito urubus…”. A CPI da Pandemia também foi objeto da cólera bestial: “Eu penso que nós temos que agir agora. Concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora da CPI a pescoção”, proclamou inspirado na invasão do Capitólio por fanáticos nazistas.
O mesmo método fascista também foi invocado pela filha de Jefferson, Cristiane Brasil. A ex-deputada e quase ministra de Michel Temer ficou 33 dias presa em 2020 acusada pelo MP carioca de receber propinas em contratos na área de assistência social do Rio de Janeiro. Após a segunda prisão do pai, ela desafiou o capitão a levar adiante as bravatas de fechar outros poderes: “Cadê o “ACABOU PORRA”? Estão prendendo os conservadores e o bonito não faz nada??? O próximo será ele! E se não for preso, não vai poder sair nas ruas já já! ACOOOOOORDA!!!”, escreveu Cristiane em seu perfil de uma rede social.
O papa do crime, Roberto Jefferson, está em prisão preventiva, que não tem prazo pré-determinado na legislação processual penal. Na prática, ele deverá seguir nesta condição até uma nova avaliação do caso. A lei prevê que a prisão preventiva seja reavaliada a cada 90 dias. O Supremo, no entanto, já fixou o entendimento de que o fato de não haver essa reavaliação não torna a prisão ilegal. As chances de uma nova domiciliar, concedida na primeira prisão por Luís Roberto Barroso, são escassas e besta-fera seguirá enjaulada por uma longa temporada. O rugido afinou e a valentia sumiu de repente.
Roberto Jefferson se iguala ao deputado federal Daniel Silveira, preso duas vezes este ano. A primeira por ataques a ministros do STF em fevereiro de 2021 e a segunda por desrespeitar o uso da tornozeleira eletrônica por cerca de 30 vezes. A decisão foi do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Na decisão, o ministro cita o “total desprezo pela Justiça”. O deputado Silveira foi preso em fevereiro em razão de um vídeo em que fez apologia ao AI-5, o mais sanguinário ato institucional da repressão militar, e pediu a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles Edson Fachin. A prisão foi chancelada pela unanimidade dos ministros do STF e confirmada pela Câmara dos Deputados.
A reação em cadeia alcançou outros aliados do Bolsonarismo, que empacaram no boicote irracional ao regime democrático. Desencadeada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi realizada a busca e apreensão contra outras cavalgaduras golpistas. O deputado federal Otoni de Paula a e o cantor caipira, Sergio Reis, foram alvos em 20/8/2021 de mandados judiciais. Houve buscas em propriedades do cantor e no gabinete de Otoni de Paula, freguês de Moraes, já condenado antes a pagar uma indenização de R$ 70 mil por chiliques autoritários. A ação investiga incitação a atos violentos e ameaçadores contra a democracia. Ao todo, foram 13 mandados de autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, atendendo a um pedido da subprocuradora Lindora Araújo, da Procuradoria-Geral da República.
Sérgio Reis, depois de conspirar contra a democracia, disse que não era bandido. Mocinho tampouco. O cantor havia convocado, com a veemência agressiva, um ato no dia 7 de setembro no qual os caminhoneiros iriam parar o Brasil em favor de Bolsonaro e pelo impeachment de Moraes. Desafinou. A selvageria golpista foi domesticada. Antes do arrependimento, Reis abusou do gogó para ameaçar as instituições: “Dia 8 eu, os caminhoneiros, os plantadores de soja, os fortes, os que carregam navios para fora, vamos ao Senado…Eles vão receber um documento assim: vocês têm 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é um pedido; é uma ordem!”, dizia Reis no áudio. “Se vocês não cumprirem em 72 horas, nós vamos dar mais 72 horas, só que nós vamos parar o país Já está tudo armado. O país vai parar”, bravateou. Depois do chicote a valentia cedeu lugar a contrição: “Não matei, bati nem ofendi ninguém. Não mereço ser preso. Eu errei, que não erra? Quem não faz bobagem um dia?” Mais uma vez a ferocidade se transformou em covardia. Do bárbaro ao coitadinho inocente foi um passo.
Outro bolsonarista, pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC, e seus dois filhos, Filipe Pereira e Laércio Pereira, foram presos em agosto de 2020 na Operação Tris in Idem, que também determinou o afastamento do cargo e posterior impeachment do ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro. O pastor Everaldo foi citado na delação premiada do ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, por conta da influência dele no Palácio Guanabara. O ex-secretário foi preso por corrupção. Segundo a delação, era o pastor Everaldo quem mandava na saúde do Rio de Janeiro. Está preso por suspeita de corrupção.
A ex-deputada federal e bolsonarista, Flordelis, também está atrás das grades, vizinha de Roberto Jefferson em Bangu. Ela foi presa no mesmo dia de Jefferson, na noite da sexta-feira 13, em sua casa, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 48 horas depois de perder o foro privilegiado de deputada federal. Ao deixar a sua casa, a ex-deputada carregava uma Bíblia e repetia a seus familiares: “Amo vocês, fé em Deus”. Flordelis é acusada de ser a mandante da morte do então marido, o pastor Anderson, assassinado na porta de casa em 18 de junho de 2019. No pedido de prisão, o MP afirma que Flordelis atrapalhou as investigações sobre o caso, orientou réus e testemunhas e eliminou provas. É a fina flor do crime.
A ex-deputada responde por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima – tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. Em agosto de 2020, ela e outras 10 pessoas foram denunciadas pelo assassinato de Anderson do Carmo de Souza. O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 437 votos a 7, a cassação do mandato da deputada. No histórico das cassações da Câmara por crimes comuns, Flordelis teve o processo mais lento e arrastado. Desde que foi denunciada, ela ficou mais de um ano no cargo, até a cassação e a prisão. Engrossa a honrosa malta de assassinos, traficantes e delinquentes como Hidelbrando Pascoal, Talvane Albuquerque, Sérgio Naya, Jabes Rabello e outros.
Fiel ao adestramento do confronto e crises diárias, Bolsonaro voltou a escoicear o STF em uma entrevista a uma emissora de rádio em São Paulo contra a prisão dos aliados, o seu entorno pútrido: “Foi preso há pouco tempo um deputado federal e continua preso até hoje, em prisão domiciliar. A mesma coisa um jornalista, ele é jornalista, é blogueiro, também continua em prisão domiciliar até hoje. Temos agora um presidente de partido. A gente não pode aceitar passivamente isso, dizendo: “ah, não é comigo”. Vai bater na tua porta”. Uma conjugação de fatores atormenta a família: o derretimento nas intenções de votos para presidente, o pavor da prisão e o relatório da CPI da Pandemia, que deve ser enviado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes contra a humanidade.
A reação em cadeia está deixando o clã Bolsonaro assombrado. Nos inquéritos tocados pelo STF estão sendo investigados dois filhos do capitão: Carlos e Eduardo Bolsonaro e por corrupção, Flávio Bolsonaro. Eles passam noites insones e atormentadas. O deputado federal, que já verbalizou a intenção da ruptura, se insurgiu contra a prisão dos parceiros: “Prendem por fake news. Prendem por atos antidemocráticos. O que é um ato antidemocrático? Prendem por milícia virtual. Vai chegar uma hora em que essas ordens da mais alta Corte do Judiciário nacional não vão ser cumpridas, infelizmente”. Eles próprios se questionam quem será o próximo: “Não tem mais corda para você esticar. Qual seria o próximo passo? Prender o presidente? Prender um dos filhos? A gente não tem medo de prisão”. Nenhum deles tem medo, até o dia D.