A história de Romeu e Julieta é clássica. Uma tragédia escrita por Shakespeare no apagar das luzes do século XVI sobre o profundo e ao mesmo tempo impossível amor entre dois jovens adolescentes, na Verona medieval. A obra fala da grande paixão entre Giulietta Capuleto e Romeu Montecchio. Algo que tinha tudo para acontecer, mas que, por uma rivalidade comercial entre as famílias, acabou em tragédia.
O amor entre Romeu e Julieta pode ser usado, como comparação, para várias coisas. Quem não conhece a deliciosa sobremesa brasileira Romeu e Julieta, o perfeito encontro da doce goiabada com o sutilmente salgado queijo cremoso? Um amor consolidado.
A metáfora de Romeu e Julieta pode ser usada também para o encontro de queijos e vinhos. Eles parecem ter sido feitos um para o outro. E no inverno esse namoro ganha força. É ótimo reunir amigos numa noite fria em torno de uma rica tábua de queijos. E alternar os cremosos e intensos bocados desse fermentado de leite com providenciais goles do fermentado de uvas. Se eu perguntar rapidamente a um grupo de pessoas que vinho combina melhor com queijos, tenho certeza: a maioria dirá tinto.
Os queijos
Queijos nascem da fermentação do leite. É o que há de comum entre todos os tipos. A partir daí, há processos que diferenciam uns dos outros. Eles podem ser feitos com leites de vaca, cabra e ovelha. Ou uma mistura de dois deles ou dos três. Muitos queijos saem para o mercado assim que ficam prontos, frescos. São mais leves, ricos em aromas lácteos, um pouco mais ácidos. Outros são adegados, para amadurecer. E com isso ganham novos aromas, reduzem a acidez, podem concentrar o sabor salgado e ganham notas muitas vezes adocicadas.
Alguns queijos têm fungos, na crosta ou na massa. Outros formam os deliciosos cristais de tirosina, que levam ‘crocância’ à mastigação. Alguns queijos são aromatizados com pimenta, ervas. Outros são naturalmente aromáticos, como os queijos de leite de cabra. São algumas das particularidades de cada um. Por essas diferenças, os queijos são divididos em famílias. Queijos frescos, queijos macios, pastosos, semiduros, duros, azuis, aromatizados etc.
Os quatro sabores – doce, salgado, ácido e amargo – estão presentes nos queijos. Mas, pelas particularidades de cada estilo, as intensidades são diferentes. Uns podem ser mais salgados, outros com maior tendência doce, outros com boa acidez. Por aí vai.
Queijos também têm diferentes texturas e teores de gordura. Um queijo branco ou muçarela de búfala não tem elevado teor de gordura. Brie e Camembert, ao contrário, podem ter até 60% de massa gordurosa, o que atribui a eles um sabor que remete ao doce. Gorgonzola e Roquefort têm mofo azul, bom teor de gordura e são bastante salgados. Para citar alguns exemplos.
Os vinhos
Com os vinhos também é assim. As diferenças começam nas uvas. Há uma infinidade de variedades, começando com as diferenças pela cor. As uvas também podem ser associadas a famílias. Há vinhos brancos, rosés e tintos. Também há vinhos tranquilos (os normais) e os espumantes, que têm gás. Há vinhos com diferentes teores de açúcar, secos, meio secos e doces.
Os diferentes terrenos onde as uvas são cultivadas levam particularidades aos vinhos, dependendo da composição do solo e subsolo. O sabor salgado percebido em alguns vinhos, por exemplo, vem de sais minerais existentes no solo. Os processos de produção interferem diretamente no estilo. Fermentações curtas geram vinhos leves. As longas, caldos mais intensos. O estágio em barricas de carvalho aumenta a complexidade aromática do vinho, agrega a ele notas de especiarias, tostados. O envelhecimento em garrafa também traz notas que podem lembrar cedro, tabaco etc. Vinhos tintos têm taninos, que dão na boca aquela sensação de secura. Brancos não.
Casar queijos e vinhos é conjugar bem as particularidades dos queijos com as dos vinhos. É transformar uma noite em torno da mesa num amoroso encontro no paladar.
Os casamentos
Para surpresa de muitos, vinhos doces naturais, brancos ou tintos são ótimos companheiros para queijos. A explicação é simples. O que se faz quando é preciso dar para uma criança um remédio amargo? Ou quando o líquido é ácido? Coloca-se açúcar. No casamento de queijos e vinhos não é diferente. O açúcar residual do vinho apara as diferenças gustativas dos queijos. O açúcar equilibra as notas mais ácidas, salgadas e amargas dos queijos. E equaliza a tendência doce. Fica tudo redondinho no paladar. Assim, numa degustação de queijos variados, os vinhos doces se saem muito bem. E os franceses sabem disso. Eles costumam encerrar uma refeição com uma tábua de queijos diversos e um bom cálice de Sauternes, vinho doce elaborado na região de Bordeaux.
Vinhos brancos também são mais fáceis de combinar com queijos. Brancos frescos, com bom corpo e bom teor alcoólico. Podem ou não ter passagem por madeira, dependendo do queijo com o qual se vai servir. Vinhos com acidez importante combinam com queijos frescos e mais salgados. A acidez do vinho diminui a sensação salgada do queijo. E o sal bloqueia do queijo a branda a acidez do vinho. Experimente combinar vinhos branco, com bom corpo e boa acidez, com queijos maduros, intensos e salgados. O resultado costuma surpreender.
Os brancos com boa acidez combinam com queijos gordurosos. A acidez faz salivar a boca e lava as gorduras do queijo. Um bom teor alcoólico é importante, principalmente nos brancos, porque ele enxuga o paladar, logo após a salivação. Queijos de média estrutura, semiduros, combinam com brancos encorpados, com passagem por madeira. Essa é outra alternativa para uma tábua variada de queijos.
Os tintos
Contrariando o que a grande maioria me responderia quando perguntei sobre qual o melhor estilo de vinho para combinar com queijos, os tintos são mais difíceis de harmonizar com queijos. Principalmente com uma variedade de queijos numa mesma degustação. Eles são mais intensos e têm taninos. E taninos presentes costumam amargar no paladar na combinação com queijos mais salgados. Tintos muito estruturados também podem atropelar o sabor de queijos mais suaves ou de média intensidade. Os mais frescos, com boa acidez e taninos macios, e tintos envelhecidos e maduros, que já amaciaram os taninos, são os mais indicados para um bom pot-pourri de queijos.
Amor x tragédia
O que se deseja, numa harmonização, é valorizar o sabor do queijo e o do vinho. Conjugar os aromas e promover um equilíbrio de sabores, arredondando arestas gustativas. Partindo daí, é bom conhecer um pouco as características de queijos escolhidos. E também dos vinhos. E, então, promover boas combinações.
É possível proporcionar deliciosas histórias de amor ao paladar, combinando vinhos e queijos. É o que se busca. Para isso, a observação dessas regrinhas é importante. Isso para evitar que a concretização de um amor anunciado termine em “tragédia”. No caso, no paladar. Ou seja, o que tinha tudo para dar certo não acabou em casamento. Como na triste história de Romeu e Julieta.
* João Alexandre é jornalista, cozinheiro e sommelier. @joao.lombardo