A constrição da Justiça – em várias instâncias – e da CPI da Pandemia asfixiam progressivamente a ‘famiglia’ Bolsonaro. Os integrantes do clã agonizam em vaticínios sombrios sobre o futuro do capo e da organização. Entre eles a morte, a prisão ou a improvável vitória, como conjecturou o capitão. Excluídas dos prognósticos de Bolsonaro existem mais alternativas, escolhidas por ex-presidentes no passado, diante do isolamento político irreversível: a renúncia de Jânio Quadros, o suicídio de Getúlio Vargas, o impeachment de Fernando Collor de Mello e Dilma Roussef ou a derrota, hipótese mais realista. As previsões soturnas derivam, sobretudo, do cerco à Cosa Nostra bolsonarista. Quem sai aos seus não degenera, nem mesmo no crime.
O declínio da máfia ítalo-americana, a partir de década de 1970, não foi resultado apenas do aumento da repressão policial e da montagem de forças tarefas específicas. A derrocada se deu, principalmente, pelos excessos dos herdeiros, filhos e netos de mafiosos célebres, que desprezavam quaisquer limites e agiam reincidentemente contra a lei. Cinco famílias estruturaram a máfia moderna, inspirada em modelo empresarial em diretorias a fim de estancar as guerras internas. Uma das mais notórias foi a de John Joseph Gotti Jr, o “Crazy Horse” do famoso clã Gambino. Seu filho, John Angelo Gotti III, alcunhado de Teflon Jr. ,é apontado pelos historiadores com um dos mais estúpidos das linhagens mafiosas. Chegou a ser preso com uma lista contendo todos os nomes dos membros da organização criminosa.
As crias de Bolsonaro herdaram a “pouca inteligência” e a tirania paterna. Das máfias nova-iorquinas recolheram a sensação da impunidade. Acham que tudo podem e que seguirão intocáveis. A prole escancara rupturas institucionais, fake news, são acusados de apropriação de recursos públicos, negócios imobiliários suspeitos e nadam em dinheiro. Um a um vão caindo nas garras da lei, denunciados ou investigados por corrupção, fraudes, organização criminosa, peculatos e outras vilanias, típicas das atividades mafiosas do começo do século. A prolongada seca na clandestinidade e no anonimato do baixo-clero político transformou a prole, após o êxito eleitoral do pai, em um bando de inescrupulosos. Emergindo do anonimato para uma notoriedade escandalosa, agora são ávidos por dinheiro, luxo, poder e ostentação. Se esgueiram em alguns guichês judiciais em busca de proteção que soam efêmera e insuficiente.
Candidatos a John Gotti Junior na Cosa Nostra local são Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro. Deixaram suas digitais nas transgressões em que se envolveram. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acabou de quebrar os sigilos do vereador Carlos Bolsonaro e de outras 26 pessoas na investigação sobre a contratação de funcionários fantasmas. Onze servidores do gabinete do vereador receberam um total de R$ 7 milhões, desde 2001 (valor não atualizado). O MPRJ diz ter indícios de que vários desses assessores não davam expediente. Mesma prática inaugurada por Flávio Bolsonaro na Alerj. O método, segundo os promotores, está associado a saques de dinheiro em espécie das contas dos “fantasmas”, repassados a funcionários de confiança do gabinete para adquirir bens ou pagar contas pessoais do mandatário.
Ainda sem acesso integral ao resultado das quebras dos sigilos, o MP já identificou que Carlos Bolsonaro utilizou grandes quantias em espécie ao longo dos mandatos: Em 2003, Carlos teria desembolsado R$ 150 mil em espécie na compra de um apartamento na Tijuca, na Zona Norte do Rio. No ano passado, durante a candidatura para reeleição ao cargo de vereador, Carlos declarou ao TSE ter R$ 20 mil em espécie debaixo do colchão. No pedido da quebra de sigilo, os investigadores revelam a existência de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que aponta duas operações suspeitas envolvendo o vereador federal. Uma delas no valor de R$ 1,7 milhão, feita pela mãe, Rogéria Nantes Bolsonaro, entre os anos de 2007 e 2019. O vereador foi citado na comunicação do Coaf por ser sócio de uma empresa junto com a mãe.
Os suspeitos foram divididos em núcleos. A cabeça investigada é formada por parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Bolsonaro e mãe de Jair Renan, o 04. Ela foi chefe de gabinete de Carlos entre 2001 e abril de 2008. Desde junho, Ana Cristina e Jair Renan moram em uma mansão de R$ 3,2 mi na área nobre de Brasília. O aluguel de casas vizinhas é de cerca de R$ 15 mil/mês. Ana Cristina tem um salário de R$ 6,2 mil como assessora de uma deputada. Ana Cristina também foi alvo do Coaf. Durante o período em que esteve à frente do gabinete de Carlos Bolsonaro, ela recebeu “depósito de elevadas quantias de dinheiro em espécie em sua conta bancária”. Há um depósito de mais de R$ 191 mil em março de 2011. E outro de R$ 341 mil em julho do mesmo ano. O pedido de quebra de sigilo destaca ainda que Ana Cristina tinha um saldo de R$ 602 mil, que seria incompatível com a renda. Os investigadores suspeitam que a elevada movimentação em espécie sugere que Ana Cristina Siqueira Valle seja a destinatária dos salários pagos aos parentes dela.
Um novo personagem, empregado da ‘’famiglia’ por 14 anos, rompeu a Ormetà que caracteriza as máfias e incriminou Ana Cristina Valle e dois filhos de Bolsonaro. Marcelo Luiz Nogueira dos Santos afirmou ter testemunhado crimes cometidos pelos parlamentares Flávio e Carlos Bolsonaro, assim como pela advogada Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro. Marcelo dos Santos, que foi lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj entre 2003 e 2007, alega ter devolvido 80% de tudo que recebeu no período. O valor repassado gira em torno de R$ 340 mil. As revelações foram feitas após Marcelo dos Santos se demitir por não receber o salário combinado em agosto de 2021. Ana Cristina, segundo ele, precedeu Fabrício Queiroz no comando das rachadinhas.
Marcelo Nogueira trabalhou em 2002 na campanha de Flávio para deputado estadual e depois foi nomeado em seu gabinete. “Somente depois da separação de Jair e Ana Cristina, em 2007, Flávio e Carlos teriam assumido a responsabilidade do recolhimento dos valores dos funcionários de seus gabinetes”, disse. Em 2020, o patrimônio de Ana Cristina era estimado em R$ 5 milhões. O ex-funcionário alega que o montante foi angariado através do uso de laranjas, inclusive na compra da mansão em que mora atualmente em Brasília, no Lago Sul, com o filho Jair Renan. Segundo Marcelo, Ana Cristina não alugou o imóvel, mas o comprou, por meio de dois laranjas, com quem firmou um contrato de gaveta, ou seja, um documento informal não registrado em cartório, para que eles repassem o imóvel para seu nome após o encerramento do financiamento”.
O novo morador das prósperas mansões no coração da ostentação brasiliense, o filho 04 do capitão com Ana Cristina, abriu uma empresa com auxílio luxuoso do multilobista que atuou em favor da Precisa Medicamentos, Marconny Albernaz de Faria. Ele é acusado pela CPI como intermediário na negociação dos imunizantes superfaturados, nunca entregues, com pedidos ilegais de antecipação de pagamentos em paraísos fiscais e falsificação de documentos. Apesar das irregularidades, o governo só rescindiu o contrato de R$ 1,6 bi um mês após o laboratório Bharat Biotech descredenciar a Precisa como representante no Brasil. A emenda na legislação que permitiu a importação da Covaxin foi do líder do governo, Ricardo Barros, com notórias ligações com o dono da Precisa, o caloteiro e réu Francisco Maximiano.
As conversas do Whatsapp, reveladas pelos jornais, mostram Jair Renan Bolsonaro e Marconny dialogando sobre a futura parceria. Nos diálogos, o lobista e o 04 tratam do tema no dia 17 de setembro de 2020: “Bora resolver as questões dos seus contratos! Se preocupe com isso. Como te falei, eu e o William estamos a sua disposição para ajudar te ajudar”, disse Marconny para Jair Renan. Em resposta, 04 disse: “Mostrar irmão. Eu vou organizar com Allan a gente se encontrar e organizar tudo”. O filho do presidente também frisa que precisa fazer um processo para registrar a marca no INPI marcas e patentes e abrir o MEI como microempreendedor. Marconny, então, responde: “Temos que marcar uma reunião para me dizer o que está precisando. Bora marcar na segunda”. O filho do capitão responde “Talkei”.
Corriqueiras nas transações do clã Bolsonaro são as aquisições de imóveis aquém das avaliações de mercado, vendas lucrativas, laranjas, dúvidas sobre a origem e licitude dos recursos e a obsessão por quitações em espécie. A estrela da imobiliária Bolsonaro, é a mansão de Flávio Bolsonaro. O valor do imóvel – R$ 5,97 milhões – é mais que o triplo dos bens declarados pelo senador em 2018. Ao TSE, o patrimônio informado foi de R$ 1,7 milhão: um apartamento na Barra da Tijuca, uma sala comercial, 50% da franquia da fantástica fábrica de chocolates, um automóvel e investimentos. A escritura pública da mansão atesta a quitação de R$ 2,8 mi a título de entrada e o financiamento bancário de outros R$ 3,1 mi. Aqui surgem as primeiras rachaduras que lembram as ‘rachadinhas’.
Houve um incremento de R$ 1,1 mi no patrimônio em 2 anos. As 3 transferências bancárias para pagar a entrada somam R$ 1,09 milhão dos R$ 2,8 mi assinalados na escritura como quitados. Outras fissuras estão no financiamento obtido em banco público. O BRB é uma instituição comandada por um aliado do capitão no governo do DF. Flávio Bolsonaro e esposa informaram renda de R$ 36,9 mil mensais para mereceram o empréstimo de R$ 3,1 milhões. Para outros pretendentes a renda mínima exigida em um contrato idêntico é de R$ 46,4 mil/mês.
O financiamento é de 30 anos e a prestação mensal – R$ 18,7 mil – compromete 51% da renda do casal. O mandato de senador é finito, precário e termina em 2026. Não há garantias quanto aos outros 24 anos, caso ele perca as eleições, já que não exerce outra atividade. Após a publicidade do caso, o BRB registrou, em uma semana, um aumento de 234% de propostas em condições semelhantes às de Flávio Bolsonaro. A casa agradece.
O palacete foi registrado, atipicamente, em um cartório a 45 quilômetros de Brasília. A escritura pública foi censurada com tarja preta em 18 trechos, omitindo dados cadastrais e a renda dos compradores. Além da entrada, o senador desembolsou R$ 181 mil, à vista, em impostos e taxas. Brasília é um quadradinho. O vendedor Juscelino Sarkis é namorado da juíza Cláudia Silva de Andrade. Ela assessorou João Otávio de Noronha na presidência do STJ. Noronha concedeu a prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e à mulher, Márcia Aguiar, uma foragida. Com o voto do Noronha, a 5 turma do STJ anulou a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro, uma das vigas mestras da acusação do MP carioca. Noronha é mencionado nos diálogos derivados da quebra de sigilo do lobista Marconny Albernaz.
Flávio Bolsonaro, a mulher e outras 15 pessoas, entre elas Queiroz, foram denunciados à Justiça em outubro de 2020. A acusação contra o senador é de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. No documento de 50 páginas, o MP acusou Flávio Bolsonaro de liderar uma organização criminosa, tal como era a máfia siciliana, que teria desviado R$ 6 milhões da Alerj por meio de “funcionários fantasmas” alojados em cargos comissionados. Segundo a denúncia, eles devolviam parte do seu salário para o grupo. A Promotoria ainda identificou que mais de R$ 2 milhões foram repassados para a conta de Fabrício Queiroz, que transferia o dinheiro através do pagamento de despesas da família Bolsonaro, depósitos em contas bancárias do casal e transações imobiliárias para fomentar o programa da Casa Nostra.
O hábito de pagar imóveis em espécie, no Rio de Janeiro, é atávico. Rogéria Bolsonaro, a mãe dos números 01, 02 e 03 foi primeira mulher do capitão. Ela comprou em 1996 um apartamento na zona norte do Rio pelo valor de R$ 95 mil. Atualizado o imóvel, situado em Vila Isabel, valeria R$ 621 mil. Na época da compra, Rogéria Bolsonaro era casada com o então deputado Jair Bolsonaro em comunhão de bens. A separação só aconteceria 2 anos depois, em 1998.A escritura registra com todas as letras que o preço “certo e ajustado de R$ 95 mil foi recebido integralmente no ato… através de moeda corrente devidamente conferida, contada e achada certa e examinada pelos vendedores”.
Entre o final de 1997 e 2008, quando estava com o então deputado Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle comprou com ele 14 apartamentos, casas e terrenos, que somavam um patrimônio avaliado em cerca de R$ 3 mi, o equivalente a R$ 5,3 mi em valores corrigidos pela inflação. Pelas escrituras, contou a revista “Época”, cinco dos 14 imóveis foram pagos “em moeda corrente”, ou seja, em dinheiro vivo. Foram duas casas, um apartamento e dois terrenos em negociações separadas, que somam R$ 243.300 em valores históricos, ou atualizados R$ 638 mil.
Eduardo Bolsonaro, investigado pelo STF no inquérito das Fake News, pagou R$ 1 milhão em 2016 por um apartamento em Botafogo, Zona Sul do Rio. A escritura mostra que ele deu um sinal de R$ 81 mil e estava pagando, no ato, mais R$ 100 mil em “moeda corrente do país, contada e achada certa”. O mesmo registro ainda firma o compromisso do deputado de pagar mais R$ 18,9 mil seis dias depois. A maior parte, R$ 800 mil foi financiada pela CEF. Em 2011, Eduardo Bolsonaro comprou por R$ 160 mil outro imóvel, R$ 50 mil foram honrados em espécie. A Secretaria Municipal de Fazenda, para efeitos fiscais, avaliou o imóvel por R$ 228 mil, ou seja 30% a mais. As revelações foram do jornal “O Globo”. O patrimônio dele entre 2014 e 2018 subiu 432%, segundo os dados do TSE.
Desde que a CPI do Senado Federal eviscerou as mazelas e malversações durante a pandemia, as avaliações do governo despencaram. Com carimbo de corrupção, processos e investigações contra toda a corriola, prisões de extremistas, tombos vertiginosos nas pesquisas eleitorais, queda acentuada sobre o desempenho administrativo e bravatas golpistas, o isolamento do capitão vai se adensando irreversivelmente. A tempestade se completa com a ruína econômica do país: desemprego, fome, inflação, apagão, fechamento de empresas, fuga de capital e desvalorização do real. Encurralado, Bolsonaro ensaiou até um golpe, mas fracassou. Depois o tigre arregou como um roedor pestilento. A prisão domiciliar deixará de ser, em breve, uma progressão penal para ser a modalidade de encarceramento familiar.