A ideia de coordenadores do futuro governo, avalizadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, de tentar aprovar parte da reforma da Previdência ainda este ano reflete a prioridade conferida ao tema pelos principais assessores da equipe em formação, tendo à frente o economista Paulo Guedes, mas não parece ser o melhor caminho a ser seguido.
Na prática, o futuro governo incentivaria a votação da proposta encaminhada ao Congresso por Michel Temer no final de 2016 e deixada de lado diante da resistência dos deputados em aprová-la.
O governo Bolsonaro, que começa em 1º de janeiro, deve ter capital político para levar o Congresso eleito a aprovar, em 2019, uma proposta de reforma com a qual guarde maior afinidade. O presidente eleito sabe que a renovação da Câmara foi alta, de 47,3% (a maior em 20 anos), e que de cada quatro senadores que tentaram um novo mandato apenas um foi reeleito, na maior renovação da história.
A reforma da Previdência do governo Temer está parada na Câmara desde fevereiro deste ano, quando foi decretada a intervenção federal na área de Segurança do Rio de Janeiro. Como a Constituição não pode ser emendada na vigência de intervenção federal (Art. 60 § 1º), a reforma foi sacrificada, para alívio de muitos que não gostariam de votá-la.
É preciso lembrar, portanto, que a reforma só pode ser retomada se for suspensa a intervenção federal na Segurança do Rio de Janeiro, que terminaria em 31 de dezembro. Mas este não é o maior problema. Se tivesse condições de aprovar a reforma lá atrás, o governo Temer certamente não teria feito a questionada intervenção no Rio.
“É de se perguntar se vale a pena
promover uma grande mobilização para
aprovar um texto que, a rigor, está longe do ideal.”
Os problemas da reforma de Temer são que a proposta foi consideravelmente esvaziada ao longo da sua trajetória na Câmara (a implantação da idade mínima para a aposentadoria, por exemplo, segue uma regra de transição de 20 anos) e que o governo não conseguiu reunir um número confiável de votos que garantisse a aprovação.
Para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) são necessários 308 votos favoráveis, o que exige, por segurança, um número de apoiadores próximo, pelo menos, a 330 deputados. Tem ainda os chamados Destaques de Votação em Separado (DVS), que exigem a reafirmação da maioria de 308 votos para manter os textos destacados pela oposição.
É de se perguntar se vale a pena promover uma grande mobilização para aprovar um texto que, a rigor, está longe do ideal.
Indicações de que esse texto poderia ser alterado no Senado e voltar para a Câmara passam longe do bom senso. Isto porque quando uma PEC é alterada pelos senadores, ela volta para a Câmara como uma nova proposta, reiniciando a tramitação da estaca zero. Se a Câmara promover novas mudanças, cria-se um pingue-pongue sem fim ou se promulga apena o que for consenso entre as duas Casas.
Negociações e atropelos
A proposta (PEC 287/16) foi alvo de muitas negociações até ser aprovada em uma comissão especial da Câmara. Ali, o parecer do relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), teve a votação concluída em 9 de maio de 2017.
O mapeamento de votos para levar a matéria ao plenário estava indo bem, quando foi revelada a gravação nada republicana que o empresário Joesley Batista (JBS) fez com Temer, em 17 de maio.
Os mapas de votos a favor da reforma foram, então, substituídos pelos mapas de votos contrários à autorização para que o Supremo Tribunal Federal processasse o presidente, com base em duas denúncias do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Temer escapou das denúncias de Janot, pelo menos enquanto permanecer na Presidência da República, mas teve a imagem comprometida, o governo chamuscado e deu adeus à perspectiva de aprovar a reforma.
Entre o arquivamento da segunda denúncia de Rodrigo Janot pela Câmara, em outubro de 2017, e a decretação de intervenção federal no Rio houve tratativas, assumidas com discrição pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e esforços do deputado Arthur Maia para tornar mais palatável para a maioria dos deputados o texto a ser levado à votação.
A intervenção foi a pá de cal da reforma, que um dia foi o carro-chefe do governo Michel Temer. Quando assumiu, Temer transferiu a Secretaria da Previdência para o Ministério da Fazenda, de modo que o setor ficasse vinculado ao ministro Henrique Meirelles e umbilicalmente ligado à questão fiscal.
* Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise