Assistir a debates no Congresso sobre as leis do petróleo, entre situação e oposição, nas redes entre esquerdistas e direitistas, parece conduzir o observador minimamente informado sobre o tema a uma viagem na máquina do tempo.
O senador José Serra (PSDB/SP) hoje se vê no lugar do polêmico geólogo Walter Link, norte-americano que pesquisava petróleo no Brasil para a Petrobrás, demonizado pelos ativistas da grande campanha “O Petróleo é Nosso”, certamente integrada pelo combativo estudante e líder estudantil José Serra.
Parece que os dois estão de certa forma na mesma situação, cada qual no seu tempo. Link foi expelido do País pela mobilização da esquerda da época por ter concluído não haver volumes significativos de petróleo em terra, mas que, certamente, nossas reservas estariam mar adentro, na plataforma continental. Foi chamado de traidor as serviço das Sete Irmãs e louco por falar um absurdo daqueles: onde se viu encontrar petróleo debaixo do Oceano Atlântico?
Serra está sendo demonizado hoje porque diz que se o Brasil não se apressar a encontrar uma forma viável, economicamente, de tirar logo seu petróleo do fundo do Oceano, o antigo ouro negro perde sua relevância e o Brasil fica com aquela quantidade absurda de óleo guarda no fundo do mar antes de desfrutar de suas benesses.
Não foi Serra nem Link que mudaram, mas o petróleo.
O choque do petróleo de 1973, “Oil Schock” na linguagem dos petroleiros, abriu uma nova era e mudou completamente o mundo do petróleo e suas relações com a política e a economia. Entretanto, esse novo modelo não chegou às instâncias ideológicas no Brasil até hoje.
Atualmente Serra está na frigideira porque patrocinou as mudanças na legislação do petróleo, na linha do que aconselhava Link há mais de meio século.
Resumo da ópera: petróleo não é mais aquele. Hoje é uma commodity como qualquer outra. Seu grande legado é a especulação financeira que se iniciou com os petrodólares, a partir da retomada pelos países produtores, do controle da produção. Carlos Andrés Perez, presidente da Venezuela, formulou a OPEP e o príncipe da Arábia Saudita, Sheik Zaqi Yamani, operacionalizou, organizando os produtores do Oriente Médio.
Politicamente, converteram o cartel numa força nacionalista até hoje imbatível. Economicamente geraram tamanha quantidade de dinheiro, que acabou com a força dos estados para controlar as moedas. Os chamados petrodólares evoluíram para as finanças globais de nossos dias, incontroláveis.
Para o bem e para o mal.
Como grande produtor, o Brasil está na mesma situação de perigo. Na África há um axioma: ‘Deus livre-nos de descobrirem petróleo, pois com eles vêm os maus”. Mais recentemente o livro “A Maldição do Petróleo”, de Michael Loss demonstrava como os países produtores sentaram-se em cima de suas receitas e nada mais fizeram se não engordar os gastos públicos, sem investimentos na produção de alternativas. Aí está a Venezuela a demonstrar o que uma queda do preço do petróleo pode produzir numa sociedade. E também o Rio de Janeiro, a Arábia Saudita brasileira, que mergulhou na inadimplência, na miséria e na violência, igualzinho à Venezuela, com o derretimento dos seus royalties do petróleo da Plataforma Continental.
Para o bem, a sorte do Brasil é que quando se converteu em grande produtor já tinha uma estrutura industrial, agrícola e de serviços que manteve a economia longe da dependência desse maldito ouro negro. Em tese ganhou mais uma commodity mineral para engordar sua balança de pagamentos. Nada mal.
Essa é a discrepância entre a realidade da cadeia do petróleo e as visões e opiniões desbaratadas e, muitas vezes, patéticas em torno do assunto. É como pensar em carro de boi para falar de transporte nestes tempos dos caminhões para 100 toneladas viajando a 100 km por hora em autopistas. Não dá nem para começar uma conversa.
Entretanto, foi que se ouviu nos últimos embates da área ligados ao leilão organizado pelo governo para exploração de alguns campos da bacia do Pré Sal. Não obstante o Brasil ter se convertido num dos maiores e mais sofisticados produtores de petróleo e de sua cadeia (petroquímica, fertilizantes, fármacos etc.), esse progresso aconteceu na obscuridade, no fundo do mar. Enquanto seus técnicos são os mais afamados do mundo, os mundos, políticos e, mesmo, acadêmicos ainda estão com a cabeça nos tempos do “Petróleo é Nosso”.
Isto já passou porque “petróleo nosso” já se foi. Hoje, no duro, o petróleo do Brasil é mais do que nosso, pois temos o poder e o controle tecnológico e financeiro sobre toda a cadeia, como falamos acima. Quanto o óleo cru representa do valor do petróleo do poço para diante? O petróleo vale muito mais na superfície, convertido em mercadorias, do que lá em baixo, nos intestinos da Terra.
Por isto quando se ouvem discursos nos parlamentos ou críticas nas redes sociais ao modelo da cadeia do petróleo no Brasil, lembra-se de uma conversa de doidos. Parecem phalar com PH. O negócio de petróleo de hoje que vai desde um poço como os do Pré Sal, a sete mil metros debaixo de uma lâmina d’água com 2.000 metros de profundidade, até o posto de gasolina com suas lojas de conveniência e serviços variados. A sacolinha do supermercado.
Nada a ver com o petróleo do estereótipo, pivô de guerras, o ouro negro dos imperialistas dos tempos de Rockfeller, os poços de produção cavados em terra com duas centenas de metros da superfície, jorrando por pressão natural, ou ejetado por uma bomba do tipo carneiro do “cavalo de pau”, como nos campos pioneiros do Recôncavo Baiano ou nos desertos da Arábia e nos lagos da Venezuela. São outros tempos.
Nos dias de hoje ao chegar a uma plataforma da Petrobrás na costa do Rio de Janeiro, o visitante desavisado ficará muito confuso, tamanha a quantidade de línguas que vai ouvir. Essas gigantescas ilhas artificiais, monitoradas por satélites, comandadas por técnicos que operam num mercado internacional e trabalham em jornadas de 15 dias por 45 de folga. Há milhares de brasileiros, que hoje estão no Pré Sal, amanhã no Mar da China, na outra jornada no Golfo do México ou no Mar do Norte, sempre com o uniforme da Petrobrás. Dá para acreditar? Os petroleiros brasileiros também estão espalhados pelo mundo e a Petrobrás tira petróleo por aí a fora. É imperialista?
Por isto as correntes partidárias antagônicas, não só no Brasil, engalfinham-se nos parlamentos e nas mídias como se ainda estivessem nos anos 1950, que foi o auge das autodenominadas Sete Irmãs, empresas privadas ou estatais das Grandes Potências da Época (fora União Soviética), que serviam a interesses estratégicos de seus países e do grupo do então autodenominado “Mundo Livre” em particular.
Por isto voltamos à proposta inicial: assistir a debates o Congresso equivale a uma viagem na máquina do tempo.