Em qualquer pesquisa de opinião pública a instituição das nossas Forças Armadas sempre foi apontada com alta credibilidade e aceitação pelos brasileiros. A nossa República nasceu de um golpe militar que derrubou o império.
“Esse aspecto, ligado às origens militares do golpe de 15 de novembro de 1889, tendia a instilar no regime brasileiro germes do militarismo das repúblicas hispano-americanas da vizinhança do continente, afastando do modelo desejado, o dos Estados Unidos… Desde o primeiro dia, após a proclamação da República, os positivistas que tinham infiltrações nos círculos militares de implantar no país a “ditadura científica” das ideias filosóficas e políticas de Augusto Conte”. (Aliomar Baleiro – A CONSTITUIÇÃO DE 1891, Brasília, 1987, p .16)
Basta lembrar que, dos 38 presidentes que o Brasil já teve, 14 foram generais militares e o último um capitão reformado.
Mas a influência dos militares na política não é uma tendência apenas brasileira. No passado, as forças militares que constituíam e impunham os governantes e promoviam criação ou independências de países como aqui na América Latina com os generais libertadores Bolívar, Sucre, San Martim e outros mundos afora. Nos dias atuais, vemos novamente o militarismo se intrometendo entre Rússia e Ucrânia podendo ser o estopim da temível terceira guerra mundial.
Na Venezuela, quem tem o poder de fato são os generais bolivarianos criados pelo ditador tenente-coronel Hugo Chávez. Na Correia do Norte são os militares que sustentam a ditadura de Kim Jon-um. Em síntese, na humanidade ainda, seja democrática ou ditadura, são forças militares a terem o poder de fato.
Estudando a história do Exército Brasileiro ficamos sabendo que Unidades da Armada na baía de Guanabara, sob a liderança do almirante Custódio de Melo, sublevaram-se e ameaçaram bombardear a cidade do Rio de Janeiro, então capital da República. Para evitar uma guerra civil, o marechal Deodoro renunciou à Presidência da República (23 de novembro de 1891). A Segunda Revolta da Armada começou a se delinear em março de 1892, quando treze generais enviaram uma Carta-Manifesto ao Presidente da República. Floriano reprimiu duramente o movimento, determinando a prisão dos seus líderes. Em 6 de setembro de 1893, um grupo de altos oficiais da Marinha exigiu a imediata convocação dos eleitores para a escolha dos governantes. Entre os revoltosos estavam os almirantes Saldanha da Gama, Eduardo Wandenkolk e Custódio de Melo, ex-ministro da Marinha e candidato declarado à sucessão de Floriano. Revolução Federalista (1893-1895) foi uma guerra civil gaúcha disputada entre os federalistas (maragatos) e os republicanos (pica-paus). Representou uma das mais violentas e sangrentas revoltas travadas no sul do Brasil. A revolução durou dois anos e meio, desde fevereiro de 1893, até agosto de 1895, no governo de Prudente de Moraes, com assinatura de um tratado de paz, estabelecendo a derrota dos maragatos pelos pica-paus bem como a anistia de todos os envolvidos. Um dos episódios mais sangrentos e trágicos da Revolução Federalista ficou conhecido como o “Cerco da Lapa”, referente à cidade em que ocorreu o embate, no Estado do Paraná, durante 26 dias entre os maragatos (liderados por Silveira Martins) e os pica-paus (liderados pelo coronel Gomes Carneiro). Além da Guerra de Canudos, 1896-1897) e Guerra do Contestado (1912-1916).
De fato, o tenentismo foi um movimento que ganhou força entre militares de média e baixa patente durante os últimos anos da República Velha com quebra da hierarquia e revoltas militares, sendo as mais expressivas no Rio Grande do Sul (1923, entre maragatos e ximangos), em São Paulo (1924) para derrubar o Presidente Artur Bernardes, no Rio de Janeiro (revolta do Forte de Copacabana), além da Intentona Comunista durante os anos 35 e 36, da era Vargas.
Naquela época, a radicalização política dentro das Forças Armadas era muito em função do quadro da Segunda Guerra Mundial, pois os acontecimentos radicais do exterior colocavam mais lenha na fogueira da nossa radicalização interna. Foi o “tenentismo” que alavancou a frustrada tentativa de implantação do comunismo pela luta armada, de imediato sufocada por Vargas, que tratou de ir absorvendo mais e mais o poder até que finalmente em 10 de novembro de 1937, sob alegação de uma nova revolta comunista, deu o golpe do Estado Novo. Com um texto elaborado por Francisco Campos de inspiração fascista na constituição polonesa de 1935, a carta imposta ficou conhecida como “Polaca”.
Para encerrar o que fora a radicalização política da era Vargas, no pós-guerra em que uma onda de redemocratização se disseminou pelo planeta, mas nem por isso a corrida armamentista deixou de crescer, basta citar texto de Valter Costa Porto, no prefácio do estudo posterior sobre a constituição Polaca de Getúlio Vargas, já na redemocratização do pós-guerra em 1946:
“Quando se reuniu, no inicio de 1946, a Assembleia Constituinte, as primeiras discussões se concentraram no que deveria ser o ponto de partida para a elaboração da nova Carta. As normas regimentais – disse o Deputado Mauricio Grabois, eleito pelo Partido Comunista do então Distrito Federal – “não poderiam ter qualquer vínculo com a Carta caduca e parafascista de 10 de novembro de 1937”. “Mas nós fomos eleitos em virtude da Carta de 1937”, respondeu o Senador Nereu Ramos, líder da maioria e Presidente da Comissão de Constituição da Assembleia. “Não lhe devemos respeito”, contestou Hermes Lima, eleito pela Esquerda Democrática do Distrito Federal. “Se o tribunal eleitoral me tivesse pedido de declaração de respeito à Constituição de 1937, eu teria recusado meu mandato”.
Como Constituinte em 1988, não me esqueço quando logo na discussão do PREÂMBULO da Constituição, que sempre se fez constar a expressão “sob a proteção de Deus”, a esquerda se posicionou contra esta inserção e, ao final, alguns dos mais radicais petistas e comunistas se negaram a assinar a nossa atual carta para questionar sua inconstitucionalidade no STF.” (ADI 2.076, voto do relator, Carlos Velloso, julgamento em 15-8-2002, plenário, DJ de 8-8-2003:
“O preâmbulo (…) não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma Constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica… O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta: princípio do Estado Democrático de Direito, princípio republicano, princípio dos direitos e garantias, etc”.
A radicalização atual entre Lula e Bolsonaro tem comprometido nossa incipiente democracia e conturbado a questão queda governabilidade. Lembremo-nos de que já tivemos dois impeachments presidências (Collor e Dilma), a inexistência de partidos verdadeiramente ideológicos já renderam três reeleições de FHC, Lula e Dilma, e, agora, pelo que tudo indica, a tentativa do atual presidente será a quarta, ou seja, a reeleição vem sendo motivo de impedir a salutar alternância do poder que caracteriza os regimes democráticos.
Procede então este questionamento “para onde nos levará a atual radicalização” sem partidos políticos verdadeiros e um ativismo tenentista novamente a nos amedrontar?
Como animal politico que sou, observador da nossa história e crítico do costumeiro erro de sempre termos feito uso de constituintes parlamentares, que sempre escreveram “que todo o poder emana do povo”, mas não abrem mão de seus privilégios e benesses do poder. André Del Negri no Consultor Jurídico de 20 de junho de 2020, mais uma vez mostrou que:
“Há, de fato, um ponto de autenticidade na frase do político britânico Churchill, de que a democracia é o único regime aceitável ou o melhor dos piores regimes de governo. Ele faz, como resta claro, o elogio da democracia. O que nos preocupa é saber se as atuais democracias podem ser chamadas de democracias”.
Do exemplo do passado já poderíamos ter tentado uma Constituinte Exclusiva, única forma de superarmos a radicalização, que despreza a nossa formação multirracial de estado laico, como forma autêntica da participação política do povo – haja vista ainda
não termos partidos políticos, conforme magistralmente descreveu Almir Pazzianoto no seu excelente e costumeiro texto de objetividade ao descrever a decrépita atualidade partidária nesta “terra em que se plantando tudo dá”:
“Com dinheiro abundante e plena autonomia para gastar, os partidos proliferaram como moscas no estrume. Dada a quantidade e a necessidade de representação expressiva, pois dela depende o volume de dinheiro do Fundo, foram afrouxados os critérios de escolha de candidatos. Buscam os dirigentes nomes de popularidade fácil, embora pobres de conteúdo intelectual, cultural e ético. Ser famosa, ou famoso, é a exigência. Não interessam as reais qualidades. Assim se explica a repentina ascensão política de mulheres e de homens de caráter frouxo e repulsivo”. (Os Divergentes, Almir Pazzianoto, A Bala de Prata, 17/01/2022)
As constituições surgiram na história da humanidade exatamente para frear e conter o poder absoluto dos governantes que, com tirania e poderes discricionários da força, submetiam o povo à servidão. Infelizmente, aqui no Brasil este principio básico do povo poder conter o poder absoluto dos governantes ainda não aconteceu e tem contribuído para que sempre mais os nossos governantes abusem de suas prerrogativas e poderes. Daí o temor de um novo golpe de estado, não para uma autêntica democracia, mas em função destes abusos e privilégios, que sabemos ser o motivo desta radicalização a escurecer nosso horizonte.
“Pelos R$ 0,20 (ou não), contra a corrupção, a favor do impeachment… São vários os motivos pelos quais os brasileiros têm sido convocados às ruas, com mais frequência e presença desde 2013, quando “o gigante acordou”. Curitiba, destaque nacional pelo grande número de participantes nas manifestações recentes, já foi palco de uma das mais violentas e inusitadas revoltas populares de que se tem notícia e tudo por causa de um pente.
Neste ano eleitoral, em que oficialmente gastaremos 4 bilhões e novecentos milhões para financiar mais uma eleição (a última custou 2, imaginem a próxima?), para continuarmos sem partidos autênticos e programas idôneos, nos contentando em apenas tentar encontrar mais um “novo salvador da pátria”?
Como já tive a oportunidade de dizer, “um programa de governo discutido pelas redes sociais estabeleceria todas as perspectivas de sua viabilização e conscientização do eleitorado, mas como tais programas não existem, o que vale mesmo é a baixaria e propaganda enganosa”, ou seja, pelo andar da carruagem, mais uma vez teremos que escolher um nome e não um programa de governo.
Não seria de vociferar contra os catilinas que estão espalhados e até encastelados em todos os poderes da república criadas para serem harmônicos entre si, a inesquecível
interrogação: “quousque tandem, Catilina, abutere patientia mostri” [palavras de Cícero contra Catilina: até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?]
Uma voz é unanime nas pessoas conscientes quando dizem que nossa “política não é uma coisa séria”. Recentes adversários figadais tramam alianças e conchavos espúrios para formação de candidaturas, levando a coerência para as catacumbas, muda-se de
partido como muda-se de roupa, como comentou uma amiga minha contemporânea de ginásio: “Tenho refletido muito sobre esse nosso país. E em mais uma eleição estamos numa encruzilhada ou como numa rua sem saída. Talvez tenhamos que abrir uma picada”.
Realmente não há como não se refletir neste quadrante da nossa história de 200 anos de independência quando a realidade dos números nos mostram:
O Brasil caiu duas posições no ranking mundial de percepção de corrupção, calculado pela instituição Transparência Internacional, e passou a ocupar o 96º lugar, a terceira pior posição em sua série histórica. A pesquisa foi divulgada nesta terça-feira pela instituição. (Globo política, Aguirre Talento, 25/01/2022)
Ainda mais que a participação nas redes sociais da internet tem transformado assuntos culturais de usos e costumes de determinadas práticas sociais em verdadeiros tabus
discriminatórios onde a fobia e o fanatismo político e ideológico se esconde e camufla no anonimato pela dificuldade de punição das fake news num novo e assustador radicalismo para as novas gerações.
Minorias que se acham estigmatizadas e incompreendidas estimulam um ativismo atípico de caça às bruxas. O empoderamento salutar da mulher, por sua vez, parece ter
reacendido o inconformismo machista de setores retrógados e criado situações inusitadas para a compreensão social e absorção destas minorias no quadro dos direitos humanos.
Cena inusitada de um dos programas de televisão de grande audiência, quando o mestre de cerimônias perguntou a um dos protagonistas como ele gostaria de ser chamado, ele de masculino ou ela de feminino, porquanto os demais atores do programa não estavam sabendo como tratá-lo/la, no popular Big Brother.
Esta é uma nova realidade social, mas, nem por isto deva ser ignorada pelos aspirantes a Chefes da Nação, aos quais não é dado ignorar o clamor das ruas ou o grito angustiante das minorias oprimidas.
Evidente que muita água ainda vai rolar por baixo da ponte, até outubro deste ano. Fica a torcida para que esta água seja tão bendita como estas recentes que encheram muitos dos nossos vazios reservatórios e não aquela que mais uma vez devastou populações ribeirinhas ou moradores das encostas por ainda não terem moradia digna e segura. Que seja a água energética e sanitária de um consistente programa de governo, para a maioria apoiar deixando o radicalismo estiolar no esquecimento sepulcral da história.
* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988