Ao se aproximar a data do sesquicentenário do nascimento de Machado de Assis (21/6/1839-29/9/1908), o Senado Federal editou o livro O Velho Senado para homenagear a memória do maior escritor brasileiro. A obra foi enriquecida com apresentações de Nelson Carneiro, Afonso Arinos de Melo Franco, Afrânio Coutinho, Austregésilo de Athayde, Carlos Castello Branco, José Sarney, Josué Montello, Luiz Viana Filho, Marcos Vinícios Villaça, Raymundo Faoro.
Apesar da admiração que lhe tem o autor, o artigo não tratará de Machado de Assis, escritor, romancista, poeta, contista, crítico literário, jornalista, teatrólogo, epistólogo e, a seu modo, historiador, como escreveu Afonso Arinos de Melo Franco. Não cuidará, também, do Senado do Império, “aspiração mais alta dos políticos da Monarquia, pela sua vitaliciedade”. Machado de Assis já o fez em texto imperecível, do qual retiro o seguinte trecho: “Os senadores compareciam regularmente ao trabalho. Era raro não haver sessão por falta de quórum.
Uma particularidade do tempo é que muitos vinham em carruagem própria, como Zacarias, Monte Alegre, Abrantes, Caxias e outros, começando pelo mais velho, que era o Marquês de Itanhaém. A idade deste fazia-o menos assíduo, mas ainda assim era-o mais do que cabia esperar dele. Mal se podia apear do carro e subir as escadas; arrastava os pés até a cadeira, que ficava do lado direito da mesa. Era seco e mirrado, usava cabeleira e trazia óculos fortes. Nas cerimônias de abertura e encerramento agravava o aspecto com a farda de senador. Se usasse barba, poderia disfarçar o chupado e engelhado dos tecidos, a cara raspada acentuava lhe a decrepitude; mas a cara raspada era o costume de outra quadra, que ainda existia na maioria do Senado. Uns, como Nabuco e Zacarias, traziam a barba toda feita; e Eusébio a barba em forma de colar; raros usavam bigode, como Caxias e Montezuma, – um Montezuma de segunda maneira”. A respeitabilidade da instituição pode ser aferida pela observação de Rui Barbosa que, respondendo ao senador Pinheiro Machado, com quem frequentemente polemizava, afirmou ser o Senado “uma assembleia de varões íntegros”
Estas considerações vêm à mente diante da conduta do senador Chico Rodrigues, um dos três representantes de Roraima no Senado. Nos últimos dias o parlamentar dividiu as atenções da opinião pública com o narcotraficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, condenado a 25 anos de reclusão, liberado de penitenciária de segurança máxima por despacho liminar do ministro Marco Aurélio. Chico Rodrigues foi apanhado pela Polícia Federal em operação que investiga desvio de dinheiro da área da saúde, ao ocultar R$ 33.150 entre as nádegas.
É difícil saber, entre os dois, qual o mais perigoso à sociedade. O resumo da vida de André do Rap é relatado pelo jornalista Marcelo Godoi na edição de 17/10 de O Estado. Pobre e negro, nasceu em 1977 em Itapema, próximo da favela Portuária, no Guarujá. Foi preso, pela primeira vez em 1996, aos 18 anos, por tráfico de drogas. Ligações com o pessoal da estiva o aproximaram de Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro. Ignora-se a vida escolar. Sabe-se, porém, que se diplomou na universidade do crime quando cumpriu pena em presídio estadual.
O senador Chico Rodrigues, nascido em 23/4/1951, formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Fez curso de especialização na Universidade Católica de Pernambuco. Estudou na Alemanha. Mudou-se para Boa Vista (RR) onde se elegeu vereador. Foi eleito deputado federal em 1990 e reeleito em 1994, 2002 e 2006. A carreira de Chico Rodrigues registra cassação de mandato pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, por gastos irregulares de campanha. Em 2018 elegeu-se senador. Após assumir o mandato foi designado vice-líder do governo pelo presidente Jair Bolsonaro.
André do Rap é delinquente a quem a vida e a sociedade não proporcionaram outras oportunidades. Enveredou pelo crime e deve cumprir o restante da pena, se vier a ser recapturado. Chico Rodrigues, branco e rico, teve todas as chances para ser bem sucedido. Eleito várias vezes é acusado de desvio de dinheiro público destinado ao combate da Covid-19.
Se somos rigorosos com André do Rap, não podemos ser indulgentes em relação a Chico Rodrigues. O povo cobra rápida e fulminante cassação do mandato. Conhecemos, porém, o corporativismo dominante no Senado, indiferente às piores acusações quando o acusado é um dos seus pares.
Entre os dois, Chico Rodrigues é o pior.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho