O Senado e a hora da verdade

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pertence à história do Direito Constitucional brasileiro. Estava prevista no artigo 53 da Constituição de 1946; 39 da Constituição de 1967; 30, letra f, da Constituição de 1969 (Emenda nº 1/1969).

Sobre a CPI dispõe no artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição de 1988:  “As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo as suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.

Requisitos constitucionais, portanto, são: a) a subscrição do requerimento por no mínimo um terço dos integrantes da Câmara dos Deputados ou do Senado; b) indicação de fato determinado, objeto da apuração: c) temporariedade da CPI.

Compete ao Regimento Interno do Senado disciplinar o processo segundo o qual a CPI procederá a investigação. A matéria está prevista no Título VI, Capítulo XIV, que trata das Comissões (artigos 145/153).

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – Foto Orlando Brito

Satisfeitos os três requisitos, o presidente não pode simplesmente ignorá-lo porque, de conformidade com o parágrafo segundo do referido artigo 145, “Recebido o Requerimento, o Presidente determinará que seja numerado e publicado”.

Se não o fizer se sujeitará a Mandado de Segurança impetrado perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a quem compete, “precipuamente, a guarda da Constituição” (Art. 102). Foi o que acabou por acontecer em Brasília.

Protocolado o pedido de instauração de CPI da Pandemia, o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), resolveu ignorá-lo. Resistiu 63 dias.

Senador Alessandro Vieira – Foto Orlando Brito
Jorge Kajuru, senador – Foto Orlando Brito

Inconformados, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) atravessaram a Praça dos Três Poderes, dirigiram-se ao STF e ingressaram com Mandado de Segurança, distribuído ao ministro Roberto Barroso. Após constatar que os requisitos constitucionais estavam satisfeitos, S. Exa. fez o que dele se exigia. Não titubeou e, por despacho liminar. como ordena o artigo 102, letra d, da Lei Fundamental, ordenou a instalação da CPI.

Ao revés do que supõe o presidente Jair Bolsonaro – apavorado diante dos possíveis resultados das investigações – tal situação não é inédita na Corte. Veja-se trecho de decisão da autoria do ministro Celso de Mello: “Criação de CPI: requisitos constitucionais. O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, como também o mandato para fiscalizar os órgãos e os agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela CF. O direito de investigar – que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) – tem no inquérito parlamentar o instrumento mais expressivo desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar” (A Constituição e o Supremo, Ed. Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 2017, 6ª ed., vol. I, pág.860).

Investidos da representação dos respectivos Estados, os senadores estão diante da hora da verdade. A pandemia, objeto da CPI, em um ano infectou cerca de 13,6 milhões de brasileiros, de todas as classes sociais e idades, e matou mais de 360 mil, muitos por inadequada assistência médica, decorrente da falta de leitos, de oxigênio, de equipamentos de intubação e de medicamentos.

Jair Bolsonaro e o seu (ex) ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello – Foto Orlando Brito

Fiel ao estilo beligerante, o presidente Jair Bolsonaro bravateou, negou, ignorou advertências de infectologistas, confrontou a Organização Mundial da Saúde e colocou à frente do Ministério da Saúde o inepto intendente Eduardo Pazuello.

Se faltam vacinas, prejudicando as campanhas de vacinação, é porque o presidente criou obstáculos à importação quando ainda poderiam ser encontradas, para insistir na cloroquina receitada como espécie de pomada milagrosa.

A derradeira esperança do povo reside na CPI. Em semanas saberemos se o Senado é “a assembleia de varões íntegros”, como disse Rui Barbosa, ou se fraquejará, debilitado pelo temor à hora da verdade.

— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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