Quando uma fatia de presunto de Parma, ou em italiano, prosciutto di Parma, chega à mesa, ela está pronta para o consumo. É um produto que não necessita de cozimento ou de qualquer condimento para ganhar sabor. Pelo contrário, ele agrega sabor a petiscos e pratos diversos. A aromaticidade da carne é delicada e, ao mesmo tempo, intensa. O sabor passeia entre o salgado e o doce. A umidade e a maciez, no paladar, são perfeitas. Não é à toa que o prosciutto é orgulhosamente chamado de príncipe ou o rei da salumeria italiana.
A salumeria é uma arte na gastronomia italiana. Uma atividade que vem da tradição dos norcini, açougueiros medievais famosos pelos deliciosos embutidos que preparavam a partir da carne suína. Eles vinham da Norcia, comuna da região central da Umbria. Esta tradição é responsável pela Itália ter, hoje, mais de 460 tipos de salames e embutidos, elaborados em diversas regiões.
O presunto de Parma nasce do encontro da carne do pernil suíno com o sal. O sal desidrata a carne. Daí o nome prosciutto, que vem do latim perexsuctum, que significa seco, enxuto. O processo se completa por uma cuidadosa maturação em condições rigidamente controladas.
A região de Parma tem altitudes que atingem os 900 metros com relação ao nível do mar. Segundo os produtores, cerca de 150, essa geografia apresenta condições climáticas ideais para o desenvolvimento da complexa aromaticidade e doçura típicas do presunto.
O prosciutto di Parma é um produto de Denominazione di Origine Protetta (DOP). Só é permitida a utilização de pernis de porcos das raças Large White, Landrace e Duroc criados em dez regiões do centro-norte da Itália. O controle da qualidade começa aí. Os animais são alimentados com cereais e o soro resultante da produção do queijo parmigiano reggiano. Os pernis devem pesar em torno de 10 a 12 quilos para se tornarem prosciutti.
Um processo lento e cuidadoso
A produção do presunto de Parma é complexa. As peças recebem uma primeira camada de sal e são levadas, por uma semana, para uma sala com temperaturas entre 1oC e 4oC. Em seguida, recebem outra dose de sal e passam entre 15 e 18 dias nas câmaras. Terminada esta etapa, os presuntos permanecem entre 60 e 80 dias na sala de riposo, sob condições ideais de temperatura e umidade.
“O processo completo da salga leva cerca de cem dias”, informa Pier Arnaldo Fontana, da Salumeria Ermes Fontana, de Parma. A casa foi inaugurada em 1959, ano em que elaborou 17 presuntos. Hoje produz 350 mil por ano, cerca de 4% da produção italiana, na casa das nove milhões de peças anuais, segundo Pier Arnaldo.
Terminada a salga, os presuntos são lavados e preparados para a staggionatura ou maturação mínima de 12 meses. Boa parte da produção é comercializada com 24 meses de cura. Há presuntos, no entanto, com mais de três anos de maturação.
A maturação acontece em duas fases. A primeira, chamada de pre-stagionatura, é feita em salões ventilados, com grandes janelas para a entrada e circulação do ar. Sete meses depois, os presuntos são levados para salas com ventilação mais branda. Esse estágio provocará o desenvolvimento da doçura e dos aromas típicos da carne.
Os presuntos passam por duas análises organolépticas. Na salumeria, um profissional altamente especializado penetra a carne em vários pontos com um osso de cavalo em forma de agulha. Ele cheira o osso e, com esse procedimento, avalia a maturação da peça. Aprovados, acontece a avaliação dos inspetores do Istituto Parma Qualità. Aprovados, os pernis recebem a marca do consórcio prosciutto di Parma.
Vinhos para acompanhar
“O presunto de Parma é gordo, macio, rosado, refinado, com gosto delicado. É um produto muito aromático”, descreve Pier Arnaldo Fontana. Para acompanhá-lo, o produtor sugere um vinho da uva Malvasia, de preferência da Emilia. “É uma casta muito aromática, como os presuntos”, compara.
Vinhos brancos semiaromáticos ou aromáticos, com bom frescor, são outros companheiros para o prosciutto. Uma boa acidez ajuda a lavar os traços da gordura da carne na boca. Um bom teor alcoólico enxuga o paladar. Um Sauvignon Blanc italiano da região do Friuli, um Gewürztraminer do Alto Ádige são opções.
O Lambrusco, o vinho cotidiano dos moradores da Emilia Romagna, é outra possibilidade local apontada por Pier Arnaldo. As bolinhas ou perlage fazem o serviço de limpeza da boca, lavando as gorduras. O Parma também vai bem com espumantes maduros e com um bom Champagne. Se não abrir mão dos tintos, procure um vinho frutado e com taninos muitos leves.
À mesa
O presunto de Parma pode compor receitas diversas: entradas, saladas, massas, risotos, vegetais e carnes. Uma fatia de pão tostado com azeite, coberta por cubos de tomates frescos e manjericão, torna-se rica quando recebe uma fatia de presunto de Parma. Aspargos cozidos e envoltos pelo presunto revelam um preparo clássico. A delicadeza do Parma permite prepará-lo com frutos do mar. Camarões cozidos ou puxados rapidamente em azeite ganham um sabor rico ao serem envolvidos por lâminas de prosciutto.
Em receitas quentes, o presunto de Parma deve ser adicionado apenas na finalização. Isso vale para bruschetas, pizzas, risotos, massas e outros preparos. Isso, para aproveitar ao máximo todas as características de aroma e sabor desse nobre produto considerado o rei da salumeria italiana.
* João Alexandre é jornalista, cozinheiro e sommelier. @joao.lombardo