No último final de semana, dois colunistas escreveram magníficos artigos sobre os fundamentos da derrocada do PT. Demétrio Magnoli, na Folha de S.Paulo do dia 13 de julho; e Luiz Carlos Azedo, no Correio Braziliense e Estado de Minas do dia seguinte.
Embora concorde que o corporativismo tenha contaminado petistas e outros parlamentares da chamada esquerda na votação na Reforma da Previdência, é preciso ter claro que o fenômeno, entre petistas, vem de muito antes, antes mesmo de Lula ter chegado lá. O que espanta é terem, agora, sucumbido à laudação do capitão às condições especiais da corporação policial para, em troca, obterem vantagens para outra corporação: a dos professores.
Não é o caso de, em contraposição, elogiar esses jovens deputados que acham que o novo na política é estabelecer um padrão gerencial do Estado nos moldes da iniciativa privada. No frigir dos ovos, isso nada de novidade significa.
Ineditismo seria, no caso da previdência, no Brasil, pensar em equilíbrio financeiro e atuarial para um sistema que cobrisse toda a população brasileira com dignidade e equidade. E o mais difícil: que apontasse para um novo modelo de financiamento do Estado, no qual, a par do controle das despesas primárias, da correção de distorções de benefícios, indicasse a necessidade de reduzir as despesas nominais com a efetiva contribuição de quem vive de renda.
Mas seria demais pensar que esses congressistas, cheios de jovialidade, ousariam questionar os interesses dos que lhes concedem bolsas de estudo para aprimoramento nos EUA ou na Europa ou financiam a formação política em “think tanks” voltados para forjar as futuras lideranças do que Klaus Schwab resolveu chamar de “quarta revolução industrial”.
Por outro lado, o PT radical que, nos seus primórdios, lutava pela ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre a liberdade sindical irrestrita, deixou de existir há muito tempo. Antes mesmo de ser governo.
Talvez o suprassumo de sua adesão à ideologia do nacional-desenvolvimentismo, com forte tonalidade de corporativismo, tenha sido a decisão de estender o surrado imposto sindical às centrais sindicais, durante o governo Lula. Àquela altura do campeonato, em que pese a obstinação pela conciliação do capital com o trabalho, também os flertes com a doutrina da social-democracia europeia já eram águas passadas.
Os anos 90 levaram o PT a uma curiosa combinação de eleitoralismo, que não leva em conta os interesses gerais dos trabalhadores brasileiros, mas, sim, os interesses das clientelas representadas, com um leninismo de fachada, no qual a tendência que catapultou o lulismo passou, curiosamente, a se denominar “Campo Majoritário”. Por certo, uma referência aos tempos em que, no Partido Operário Social Democrata Russo, as preocupações de um tal menchevique chamado Julius Martov com a democracia e liberdade foram mandadas para o lixo da história.
Quem ditou esta sentença implacável, mais tarde seria, ele próprio, vítima do “Campo Majoritário” soviético com uma picareta na cabeça. Seu nome, Leon Trotsky.
A marca do PT, na origem, era sua contrariedade a qualquer forma de cooptação dos movimentos sociais. O partido empunhava, sim, a bandeira contra a corrupção, sobretudo eleitoral, mas tinha, também, o ideal de criar uma organização política “de baixo para cima”, sem caudilhos de nenhuma espécie e onde o voto de qualquer um da base valeria o mesmo que o dos dirigentes.
Caciques, nunca! Caudilhos ou timoneiros, nunca! Culto à personalidade, nunca!
Quando bancadas do PT mais robustas começaram a ser eleitas, cada novo congressista já vinha prisioneiro de sua base eleitoral. Nada muito diferente do que, hoje, Bolsonaro busca fazer, cumprindo promessas de campanha.
Todos, no final das contas, viram reféns daquilo que querem as clientelas eleitorais. No caso do PT isso implicou ignorar uma reforma previdenciária que, de fato, liquidasse privilégios.
Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o então deputado petista Eduardo Jorge, hoje no PV, elaborou uma proposta ampla que unificava regimes, incluía todos, até mesmo militares, deixando para quem quisesse a possibilidade de complementação de proventos em fundos de natureza pública ou privada.
Os próprios petistas trataram de desfigurar por completo a proposta original de Eduardo Jorge – por pressão dos diferentes colegas, cada um se dizendo portador de mandato para defender essa ou aquela categoria.
A própria origem do PSOL, anos mais tarde, teria ainda o DNA da resistência corporativista a ajustes necessários. Quando se descobriu o Mensalão, na verdade, descobriu-se o óbvio: o interesse da maioria dos trabalhadores não norteava mais a postura do PT na arena política.
O resto é o resto que todos sabemos, incluindo a imposição por quem, nesse triste itinerário de “um carro alegre, cheio de um povo contente”, se fez timoneiro e impôs o nome de Dilma Rousseff para lançar a pá de cal no sonho que um dia fora o PT…
* Sandra Starling é advogada e mestre em Ciência Política pela UFMG