No meio do caminho tinha uma ponte. Tinha um precipício no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma ponte e um precipício.
Não sou poeta. E, se fosse, não arriscaria rabiscar na métrica de Carlos Drummond de Andrade. Valho-me, porém, dos famosos versos de Drummond para tratar de tema crucial ao futuro do País.
Circunstâncias históricas conduziram o Brasil à atual encruzilhada. Podemos escolher avançar com segurança e cruzar a ponte. Ou seguir rumo ao precipício.
Sem fatalismo ou pessimismo, há muitos brasileiros, como eu, advertindo para o momento de decisões que teremos que tomar em breve, as quais nos conduzirão à prosperidade, com justiça social, ou à ruína econômica, com aumento da pobreza.
O Brasil já vinha numa trilha perigosa há, pelo menos, duas décadas, aumentando gastos para, depois, criar impostos que bancavam o aumento de despesa. A pandemia do coronavírus apanhou as contas públicas em situação periclitante. Há quase um consenso entre economistas que a dívida pública vai bater nos 100% do PIB, o que é extremamente perigoso.
Praticamente todos os países têm dívidas bilionárias, impagáveis no curto prazo. Se todos os credores resolvessem cobrar de uma única vez, os governos não teriam dinheiro para pagar. Ou seja, trata-se de uma relação de confiança. Pessoas e empresas emprestam aos governos, que prometem pagar.
Num país de economia sólida como a Alemanha, o aumento da dívida não causa maiores transtornos, pois os credores acreditam que receberão o que emprestaram. Noutros, como a Argentina, que anunciou novo calote recentemente, os credores cobram muito caro para financiar a dívida.
O Brasil pode seguir pela ponte alemã ou despencar no precipício argentino. Esta escolha está logo ali. Encerradas as eleições de 2020, o Brasil tem que decidir qual caminho tomar. Enquanto não decidimos o caminho, os investidores deixam seus dinheiros aplicados ou levam suas riquezas para outros países.
Como chegamos aqui?
Ao longo de décadas o Brasil promoveu uma política de Robin Hood às avessas, submetendo quem trabalha e produz a uma carga tributária cada vez maior e a um sistema tributário complexo. Em troca, o Estado devolveu serviços públicos precários e financiou privilégios para poucos.
Estes privilégios são financiados reservando às elites do serviço público salários muito acima da média do que ganham os trabalhadores. Por outro lado, parcelas escolhidas do setor privado são isentadas de tributos.
Assim, o Estado brasileiro se agigantou, tornou-se burocrático, ineficiente e paquidérmico. O excesso de burocracia, somada às intervenções estatais na economia e os subsídios seletivos, distorcem a livre iniciativa e destroem aos poucos o espírito empreendedor dos brasileiros.
O resultado deste quadro é o agravamento da desigualdade, pois uma parte expressiva da riqueza produzida é canalizada para poucos em detrimento da maioria. Ao final de 2020, encerramos nossa segunda década perdida, com crescimento anual da renda per capita próximo de zero. Mais do que um desastre, uma tremenda injustiça, pois sugamos de quem produz para dar a parasitas improdutivos e ineficientes.
As respostas dos governos à crise sanitária provocada pelo coronavírus trouxeram mais falências e desemprego, jogando ainda mais brasileiros em situação de vulnerabilidade. Medidas emergenciais necessárias para socorrer os mais desassistidos foram meritórias, porém custeadas com mais dívida.
Qual o lado bom?
Graças aos governos Temer e Bolsonaro temos juros e inflação baixos. Ao mesmo tempo, o mundo tem liquidez histórica, pois, diante de juros próximos a zero (ou negativos) os aplicadores têm mais disposição para investir e correr algum risco.
Temos um país pujante, com economia diversificada e recursos naturais inigualáveis. Se soubermos aproveitar o caminho que o destino desenhou poderemos deixar em breve o passado de gastança desenfreada, concentração de renda, presença excessiva do Estado onde deveria haver apenas iniciativa privada e ausência do Estado onde ele deveria se fazer presente (saúde, educação e segurança).
A quem cabe agir?
As bases da ponte que, finalmente, conduzirá ao Brasil do futuro são conhecidas. Cabe ao Governo Federal agir com firmeza e determinação, liderando aqueles que querem um Brasil próspero. Ao Congresso Nacional resta a indelegável tarefa de erguer a ponte sobre bases sólidas.
Não haverá alteração relevante na trajetória da despesa pública sem uma reforma administrativa que promova corte de privilégios e redução gradual do padrão remuneratório em todos os Poderes da República.
Não haverá espaço fiscal para financiar políticas de educação básica, saúde e segurança para quem não pode pagar sem reformas que desobriguem os governos de privilegiar poucos setores à custa do orçamento.
Não haverá melhoria do ambiente de negócios sem uma reforma tributária que reduza a quantidade e a complexidade dos tributos.
As principais reformas que o Brasil precisa aprovar para sair da crise e adotar o caminho da prosperidade já estão no Congresso. Para a maioria de vocês, leitores, parece óbvio que estas reformas deveriam ser apoiadas por ampla maioria. O grande desafio é que as corporações e os grupos de interesses que hoje capturam os orçamentos públicos estão bem representados em Brasília. Cabe ao restante da sociedade pressionar para que a ponte não despenque no precipício.
* Mateus Bandeira é conselheiro de administração e consultor de empresas. Foi CEO da Falconi, presidente do Banrisul e secretário de Planejamento do RS