O passado como objetivo

O que passou, eu conserto e melhoro. O futuro, deixo com a rapaziada.

Tenho 60 anos. Daqui a pouco, um cabelinho de sapo, passo a ter um ano a mais. Isso não tem a menor importância, mas me provocou um exercício de cartomante: quero saber do futuro. O passado é sempre glorioso, posso até reescrevê-lo de acordo com a situação ou preencher as lacunas da memória:

Pronto:
– Beijei a mais bonita da escola, embora ela nunca tenha olhado pra mim.
– Surfei a maior onda do litoral norte-rio-grandense, ainda que, na minha praia, só haja marola.

– Em Ipanema, era referência na sabedoria, embora fosse apenas mais um boêmio.
– Em São Paulo, fui sempre o conhecedor das melhores comidas dos mais infectos botequins das inúmeras vilas.

Prever o passado é muito fácil. Até quando é difícil existir na memória pouco mais que uma lembrança.

Então, chega de delirar. Por que me lembrei dos meus sessenta pra trás? Simples: quero saber dos pra frente. Tive o privilégio de o meu pai viver – não cabe aqui perder tempo cotejando pais; ganho em qualquer cenário – até 88 anos. Morreu todo lascado, mas lúcido, lúcido. Com a lucidez de espantar. Uma rapidez de raciocínio de invejar repentistas em desafios. Espero seguir nesta toada.

Pois, então, retomando o rumo da prosa, como serão os próximos vinte e tantos anos? Certezas batem conforme a biologia. Foderei menos, por óbvio. Tomarei mais remédios de uso contínuo. Irei mais vezes aos cemitérios depositar amigos; e por aí vai.

Dos colegas reacionários não guardarei mágoas, eles já eram assim, eu sabia. Não sei se terei a mesma tolerância com aqueles que escondiam os mais perversos sentimentos.
Até pouco tempo, cravava que o meu futuro superaria o passado. Foi o exercício de uma utopia que perdeu para sua prima-irmã, a distopia. Claro que o futuro vai ser pior. E não apenas por causa da biologia, mas pelo que fizemos ou deixamos de fazer com o nosso mundo.

Quem imaginaria, enquanto escutávamos Starway To Heaven, que o Brasil seria acossado pelas trevas, pela barbárie? Éramos jovens. E agora novamente?

Protesto contra Henry Kissinger na UnB

Peço desculpas pelo que estamos legando e digo: não desistam. Chutem a bunda desses canalhas – ou joguem ovos e tomates como fizemos com o todo poderoso secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger. Assim foi no passado que minha turma viveu.
E que os meus próximos vinte anos – ateu, peço ao criador para me permitir mais esse tempo – sejam melhores do que os sessenta passados. Duvido.

Deixe seu comentário