Meus filhos eram adolescentes, o mais novo, na verdade, ainda uma criança, quando na volta de uma viagem ao Espírito Santo, resolvemos parar em Ouro Preto. Queria que eles tivessem a experiência de Minas Gerais que eu tive com meus pais. Meu pai, mineiro de Carangola, tinha uma paixão por aquela terra que passou para mim. Na minha infância, indo de fusca pro Rio, depois numa Variant, passei por aquelas Minas Gerais muitas vezes.
Conheci Ouro Preto, Mariana, Sabará, Sete Lagoas, Cordisburgo (terra de Guimarães Rosa), Ubá, Juiz de Fora (ali eu cheguei a morar quando tinta 12 anos) e muitas outras cidades, especialmente as que ficavam no caminho entre Brasília e Rio ou Vitória.
Ian, Luna e Theo, já cansados de estarem fora de casa, queriam seguir direto para Brasília.
Bati meu pé de mãe e decidi, sem chance de escolha, que iríamos parar em Ouro Preto por pelo menos dois dias. Ficamos numa pousada linda e histórica na rua Direita. Contratei um estudante de História da Arte para nos acompanhar nos passeios. Visitamos igrejas, museus, minas e restaurantes. Por fim, eles se encantaram com Ouro Preto e falam dessa estadia até hoje, já adultos. Certamente, uma bela experiência para meus filhos e para mim, que recordei passagens da minha infância. Mas o que mais me marcou dessa vez, indelevelmente, foi a visita a uma mina de ouro. Profunda, de caminho longo e estreito, a ponto de termos de agachar e nos espremer para passar. O guia relatou que ali trabalhavam crianças escravas, de pouca idade, porque os adultos não conseguiam ficar por muito tempo.
Essas crianças negras, alguns filhos de escravos brasileiros, outros vindos da África no ventre da mãe ou ainda bem pequeninos, trabalhavam muitas horas numa mina escura, apertada, úmida e muito insalubre. A grande maioria sequer chegava à idade adulta. Chorei por todos eles, de verdade. Eu, que, com muita honra, trago o sangue negro nas veias, imaginei, olhando para meus filhos, o que esses meninos escravizados viveram. A partir daquele momento, passei a defender, ainda mais, todas as políticas afirmativas para os negros. O Brasil tem dívida, sim, e grande, com eles.
Eu levei um choque para entender a herança escravocrata. Espero que todos entendam sem a necessidade da descoberta de uma realidade que não está mais escondida no fundo de uma mina, mas escancarada no nosso dia a dia. É preciso reconhecer que existem poucos negros em posição de liderança nas empresas, no serviço público ou nas Forças Armadas. Que poucos chegam às universidades e que muitos são presos (a grande maioria do sistema carcerário) ou mortos ainda jovens. E o problema não é deles, como insistem alguns, o problema é de todos nós. A escravidão foi abolida, mas as oportunidades continuam muito desiguais. Quantas crianças negras, ainda nos dias de hoje, mal conseguem chegar à vida adulta?
No dia da consciência negra a Globo exibiu o especial Falas Negras, um dos programas mais emocionantes que a TV aberta apresentou. Chorei ao final com a representação da fala da mãe de Miguel, o menino preto que, largado no elevador pela patroa branca, acabou caindo do nono andar. Apenas mais uma criança negra que não chegou à idade adulta?