Jair Bolsonaro trama diariamente mecanismos para dilacerar a democracia e delira em perpetrar uma quartelada com objetivo de se blindar no poder e acobertar suas mazelas e as delinquências familiares. A fúria golpista foi agravada pela histeria que ronda, cada vez mais, ele e sua tropa desmiolada: prisões, antes ou após o término do mandato. Ele tem contra si 5 inquéritos abertos, uma tempestade de irregularidades e indícios de crimes levantados pela CPI.
Os filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro são investigados em inquéritos sensíveis no STF. Carlos também é alvo pela prática criminosa das ‘rachadianhas’. Flavio Bolsonaro, pauteiro da prática, está denunciado por corrupção na Alerj e suspeito nas trapaças das vacinas.
Um dos expedientes mais usados por Bolsonaro para emporcalhar o Estado Democrático de Direito é golpear um dos seus alicerces mais sagrados: a liberdade de imprensa. Para essa finalidade, dia sim, outro também, uma de suas principais obsessões é hostilizar a mídia em várias modalidades. Em relação aos veículos de comunicação, o método é atacar em três frentes alternadamente: intimidar com ameaças físicas, asfixiar financeiramente as empresas jornalísticas, a fim de inviabilizar o negócio e, como rotina, esconder a verdade para propagar mentiras através do embaçamento da Lei de Acesso à Informação.
A radiografia apresentada pela organização não-governamental “Repórteres Sem Fronteiras”, relativa ao ano de 2020, registrou 469 ataques a jornalistas e veículos de imprensa. Os principais algozes das tentativas de intimidação são da família: Jair Bolsonaro, com 103 ataques, Eduardo Bolsonaro, 208 agressões, Carlos Bolsonaro com 89 registros e Flávio Bolsonaro com 69 chiliques. Também foram anotados ataques partindo de 50% dos incompetentes ministros de Bolsonaro. Os alvos mais recorrentes são jornalistas mulheres. Elas foram as que mais sofreram com agressões pessoais. Ofensas, ameaças e até impedimento de cobertura atingiram 34 profissionais. Contra jornalistas homens, foram 29 ataques pessoais.
Outro dado preocupante, revelado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, mostra o Brasil no 107º lugar no ranking mundial de liberdade de imprensa. Noruega, Finlândia e Dinamarca estão nas primeiras posições. O Brasil caiu duas posições em relação a 2019. O sobrenome “Bolsonaro” esteve presente na maioria dos ataques à imprensa registrados no ano passado. Houve um aumento de 167% de violações à liberdade de expressão em relação a 2019. Pela primeira vez o Brasil entrou na lista de países em que a situação da imprensa é considerada difícil.
O relatório anual sobre Direitos Humanos dos Estados Unidos, divulgado em março de 2021, pelo Departamento de Estado, enumerou uma série de preocupações sobre o Brasil. O país é um dos 200 analisados pelo documento que destaca a deterioração dos direitos humanos no ano passado. No caso brasileiro, as citações vão desde “assassinatos ilegais ou arbitrários cometidos pela polícia” e “atos generalizados e corrupção” e “violência contra jornalistas” – diretamente relacionadas ao presidente Jair Bolsonaro.
Um dos episódios destacados pelo relatório norte-americano é do repórter do jornal “O Globo” que indagou as razões de um depósito de R$ 89 mil feito por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michele Bolsonaro, ainda sem qualquer explicação. A reação selvagem do capitão, ameaçando o jornalista de agressão física, diz muito sobre a recusa em explicar um depósito inexplicável. Inicialmente Bolsonaro disse que não iria responder. Depois ameaçou, cercado de seguranças: “Eu vou encher a boca desse cara na porrada”. Na sequência emendou: “Minha vontade é encher tua boca na porrada”. Encurralado pelos fatos, esbravejou e ameaçou, sem nada esclarecer. Tática recorrente.
Em 18 de fevereiro de 2020, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez um comentário de cunho sexual sobre a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal “Folha de S.Paulo”. “Ela queria dar o furo”, disse o presidente diante de um grupo de ogros aglomerados no cercadinho infecto do Alvorada. A juíza Inah de Lemos Silva Machado, da 19 Vara Cível de São Paulo condenou Bolsonaro a indenizar a jornalista em R$ 20 mil pelo comentário. Dois dias após periodistas do jornal “O Estado de S. Paulo” serem agredidos fisicamente em uma manifestação favorável a Jair Bolsonaro em Brasília, em maio de 2020, o presidente mandou repórteres calarem a boca durante um pronunciamento em frente ao Palácio da Alvorada:“Cala a boca, não perguntei nada”. Mais uma virulência bestial, reveladora da falta de argumentos e de educação.
No episódio envolvendo a morte da vereadora Marielle Franco, o presidente, visivelmente colérico e fora de si, voltou a intimidar. Após a reportagem da TV Globo, Bolsonaro atacou: “É uma canalhice o que vocês fazem, TV Globo”. Bolsonaro já ameaçou várias vezes não renovar a concessão da Globo em 2022: “Não vai ter jeitinho para vocês nem para ninguém”. “Essa imprensa lixo chamada Globo. Ou melhor, lixo dá para ser reciclado. Globo nem lixo é, porque não pode ser reciclada”, ameaçou novamente em 30 de abril de 2020. Atônito numa crônica obtusidade, o capitão mais uma vez usou a intimidação para não enfrentar os fatos. Ele cria e enfrenta fantasmas, mas corre da realidade como o diabo foge da cruz.
No dia 26 de abril de 2021, Jair Bolsonaro xingou de ‘idiota’ uma repórter que simplesmente perguntou sobre uma foto divulgada pelo próprio Palácio do Planalto. Na foto, Bolsonaro aparece com um cartaz que simula um cartão de CPF com a palavra “cancelado”, jargão da milícia para identificar uma pessoa morta. “Você não tem o que perguntar não? Deixa de ser idiota, menina!”, ameaçou se dirigindo a jornalista Driele Veiga, da TV Aratu na Bahia. Na passeata política de 23 de maio de 2021, no Rio de Janeiro, Eduardo Pazuello participou e acompanhou Bolsonaro ilegalmente. O repórter da CNN, Pedro Duran foi hostilizado e impedido de trabalhar. O capitão também insultou outra profissional da CNN, a apresentadora Daniela Lima, a quem xingou de “quadrúpede”.
O governo torrou mais de R$ 1,8 bilhão em alimentos em 2020 com o Exército. Um dos itens que mais chamou a atenção foi o dispêndio de mais de R$ 15 milhões com leite condensado. Havia gastos superlativos com chicletes, pizza, refrigerante alfafa e outras especiarias servidas nos ranchos dos quarteis. Questionado, Bolsonaro expressou, com seu vasto vocabulário chulo, a raiva que alimenta contra a imprensa e o tamanho do desconforto que a verdade gera no seu mundo paralelo da mentira: “é pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essa lata de leite condensado”.
A opinião de Bolsonaro sobre a imprensa livre e independente é um dos poucos itens transparentes da caverna obscurantista em que se converteu o Brasil: “O certo é tirar de circulação, não vou fazer isso porque eu sou um democrata, Globo, Folha de S. Paulo, Estadão, O Antagonista… que são fábricas de fake news”. Em reiteradas iniciativas também tentou inviabilizar financeiramente os jornais impressos com argumentos cabotinos: “vou falar para o empresariado que (…) esses jornais, Revista Época, Folha de S. Paulo, não anunciem lá, jornal que mente o tempo todo, trabalha contra o governo, e se o governo dá errado toda a economia brasileira vai sofrer”.
Além de tentar coordenar boicotes dos anunciantes e empresários, Bolsonaro editou a MP 892 que desobrigava a publicação de balanços de empresas em jornais. Aproximadamente 40% do faturamento dos veículos impressos é originário dessa fonte de receita. A tentativa de asfixiar financeiramente os jornais caducou no Congresso sem nem sequer ser apreciada, em dezembro de 2019. Bolsonaro também mandou cancelar assinaturas da “Folha de S. Paulo” no governo e excluir o mesmo jornal de licitações federais. Mesmo com sucessivos malogros, Bolsonaro não afasta de sua mira autoritária a liberdade de imprensa. Sonha com um paraíso da mentira, com censura prévia, ao estilo Joseph Goebbels, financiado por recursos públicos em canais indigentes de informações falsas e deturpadas. O TSE determinou o bloqueio de pagamentos desses canais bolsonaristas.
A liberdade de expressão e a imprensa são alvos recorrentes dessa sanha fascista. Quando não ameaça ou intimida jornalistas, Bolsonaro age para turvar a transparência e dificultar o acesso à informação. A regra é cínica: esconder as verdades incômodas e disseminar mentiras. Após a redemocratização, o governo atual é o que mais dificulta os mandamentos constitucionais de publicidade, impessoalidade e probidade. Quando assumiu, em 2019, aumentou o número de pessoas com poder para decretar o sigilo de dados públicos com o Decreto 9.690/2019. O segredo agora pode ser decretado por servidores com cargos comissionados DAS-6. Antes, a prerrogativa era do presidente, do vice-presidente, dos ministros e dos comandantes das Forças Armadas.
No início da pandemia tentaram inviabilizar a Lei de Acesso à Informação. O ministro do STF, Alexandre de Moraes, cancelou em março de 2020 o trecho da MP 928/20 que suspendia os prazos para resposta dos pedidos da LAI. A partir daí o governo adotou os procedimentos de ocultação como norma. Eduardo Pazuello assumiu a Pasta da Saúde no auge da pandemia e cancelou as entrevistas diárias e deixou de divulgar o balanço de infectados e mortes. O boicote estatal à transparência foi substituído por um consórcio de veículos de imprensa que passou a divulgar os dados da Covid-19. O STF também determinou que Pazuello retomasse a divulgação cotidiana das estatísticas. Ainda assim elas eram procrastinadas a fim de evitar a exibição no telejornal de maior audiência no Brasil.
Na maior crise sanitária do país, com suspeitas robustas de corrupção, o Ministério da Saúde colocou sob segredo as tratativas da aquisição de vacinas da Covaxin, investigada pela CPI por mais de 20 irregularidades, entre elas corrupção, superfaturamento, pagamentos antecipados e falsificação de documentos. Semanas depois, atendendo a um recurso da própria CPI da Pandemia do Senado Federal, a Justiça suspendeu o manto do segredo. Quase todos os documentos oficiais enviados à CPI pelo governo levavam o selo de sigiloso. A Comissão reclassificou boa parte deles e os tornou públicos. Só ficaram sob sigilo aqueles com previsões legais: bancário, fiscal, intimidade, segredos de estado.
Carlos Bolsonaro também foi flagrado negociando vacinas da Pfizer. Ninguém explica a estranha participação do vereador na transação dos imunizantes. Depois do escândalo, revelado pela CPI durante o depoimento do CEO da Pfizer, Carlos Murillo, o governo recorreu à velha tática de esconder a sujeira debaixo do tapete. Impôs um sigilo secular sobre informações sobre o acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos e Eduardo Bolsonaro. São pessoas públicas – um vereador e um deputado federal – isso se sobrepõe ao fato de serem filhos do presidente.
A regra constitucional é a transparência e o sigilo a exceção. Os retrocessos fragilizaram a Lei de Acesso à Informação, de 2012, uma das maiores conquistas legais da sociedade nos últimos anos que, para além da transparência, permite o controle social dos atos púbicos. O passeio ilegal de Eduardo Pazzuello ao lado de Bolsonaro de moto no Rio de Janeiro recebeu 100 anos de sigilo. Também classificaram como reservados ou secretos os telegramas diplomáticos entre Brasília e Israel sobre a vergonhosa excursão para conhecer o spray nasal contra a Covid-19.
Em janeiro de 2021, o governo negou o pedido de acesso à carteira de vacinação do capitão Bolsonaro feito por meio da Lei de Acesso à Informação. O jornal “O Estado de São Paulo” divulgou que desde 2019, o governo se recusava a informar com quem o presidente se reunia no Palácio da Alvorada. Pelo menos oito pedidos da Câmara dos Deputados para saber se havia acesso de lobistas foram negadas pelo Gabinete de Segurança Institucional. Isso, apesar da divulgação dos compromissos de autoridades ser prevista em lei. Sempre que há muita sujeira, há pouca luz.
O vício de tentar eclipsar a verdade desinibiu outras instâncias de poder com visões igualmente medievais. O pendor pela censura, observado no auge da marcha autoritária em meados de 2020, e prática corriqueira na ditadura, emergiu. Em diferentes instâncias, a Justiça baixou a mordaça, que é sempre ilegítima e autoritária. A revista “Piauí” foi impedida de publicar informações de uma acusação de assédio de um renomado humorista. O jornal “O Globo” foi censurado duas vezes. Em uma delas, a desembargadora Ana Maria Ferreira, do TJDF, mandou retirar as informações sobre saques milionários em espécie da operadora VTC Log, investigada sob suspeita de pagar propinas a agentes políticos. A TV Globo tenta, desde setembro de 2020, derrubar a censura em torno de Flávio Bolsonaro. É a marcha ré na transparência.