Quando armou a lona do circo, em 2018, Jair Bolsonaro trombeteou ao respeitável público que reduziria para 15 as atrações ministeriais. Era marmelada. Já são 23 ministérios que podem aumentar para honrar os cachês de novos figurantes que cobram alto para impedir o fechamento do circo. A bufonaria atual inclui diversas atrações estapafúrdias: ilusionistas, palhaços, malabaristas, domadores, piromaníacos, contorcionistas, anões e outros personagens burlescos. Além da quantidade, chamam a atenção a baixa qualidade e a indigência mambembe do elenco. Encenam sempre a morte: das pessoas, das instituições, da democracia, dos direitos fundamentais, da ciência e da civilidade.
No centro do picadeiro sombrio, o general Eduardo Pazuello ostenta as estrelas mais reluzentes da inépcia e opera o globo da morte. O enredo é trágico. Terceiro ministro da Saúde nesse governo, empilha desastres e cadáveres. O colapso atual derruba a fama imerecida de trapezista da logística. Ao assumir o cargo, as mortes pelo coronavírus eram 14 mil e os casos 218 mil. Decorridos 9 meses, Pazuello vagueia em uma necrópole com mais de 9 milhões de infectados e mais de 220 mil mortes, muitas vítimas da incompetência e do escárnio. O Brasil é o pior país no enfrentamento da pandemia. Como reforço escalou o “hipnólogo”, Markinhos Show, como novo astro do espetáculo encarregado de mais pirotecnias. Não se sabe se a logística é hipnotizar o vírus ou a sociedade.
O sobrenome Pazuello brilhará fúnebre nos palcos da desonra, conspurcando o “braço forte, mão amiga”, já armado no passado para massacrar os compatriotas. Seus descendentes herdarão a infâmia. Fez coro ao charlatanismo e à medicina ilegal, enaltecendo remédios ineficazes, estocou cloroquina para 18 anos e faltou oxigênio no pulmão do mundo. O Brasil assinou apenas 1 pré-acordo para vacinas. “Para que essa ansiedade, essa angústia?”, perguntou à plateia de quase 210 milhões de brasileiros em dezembro de 2020. A resposta está sufocada, abaixo de 7 palmos em mais de 200 mil vozes silenciadas. O morticínio gerou um inquérito, investigações no TCU e há ainda os tribunais internacionais. A história mostra que, acuado, o capitão sempre sacrifica os seus soldados. 15 deles já tombaram.
A logística funesta também condenou o país ao atraso na vacinação. Pazuello brilhou na farsa da politização. Não teve a dignidade de bater em retirada após ser desautorizado na compra de 46 milhões de doses da Coronavac e desprezou 70 milhões de vacinas da Pfizer. Doloso? A tardia rendição à vacina do Butantan, na falta de outro imunizante, não o isenta. Tampouco as escusas hierárquicas: “um manda e outro obedece”. Há ordens indefensáveis, que rebaixam um general da ativa sendo ventríloquo de um capitão mal intencionado. O STF constrangeu Pazuello a dar publicidade aos dados oficiais e a montar um plano de imunização. Fica a lição de Mark Milley, chefe da milicada nos EUA, após uma foto ruim com o palhaço Donald Trump: “Eu não deveria ter estado lá”.
Ernesto Araújo é o chanceler terraplanista, com a corpulência e comportamento de bufão. A inexperiência nas ardilosas arenas da diplomacia, transformou o Brasil em uma Nação proscrita. A pantomima está marcada pelo desprezo ao multilateralismo e à reciprocidade, mantras sagrados no mundo do pragmatismo diplomático. Araújo engrossou a charanga do servilismo aos EUA e criticou, aberta ou veladamente, a China, nosso maior parceiro comercial. Dispensaram vistos, cederam a base de Alcântara, aumentaram a importação de etanol para favorecer Trump, apoiaram o comando dos EUA no BID e afastaram o Brasil da América Latina e do BRICs. O Brasil foi preterido na OCDE e, em 2020, teve o pior saldo comercial com os EUA em 6 anos. Trump foi enxotado da Casa Branca e Joe Biden foi hostilizado por Bolsonaro, que endossou até a tentativa de golpe no Capitólio. A terra é redonda e dá voltas.
A fanfarronice amadora na diplomacia apresentou a fatura. O isolamento, ofensas racistas à China e esvaziamento do BRICs tornaram o Brasil um pária mundial. O saldo é trágico. Brasileiros estão sendo barrados pelo mundo. Estamos brigados com as duas maiores potências do planeta e com risco de calote nas embaixadas. No colapso do oxigênio, o socorro veio da inimiga Venezuela depois do governo brasileiro ter apoiado um golpe fracassado. Ernesto Araújo foi alijado das negociações com a China e está na corda bamba. Fábio Marzano, nome dele para delegado da ONU em Genebra já foi rejeitado no Senado. Pelo mesmo risco, Bolsonaro não indicou o ‘carequinha’, Eduardo Bolsonaro, para embaixador nos EUA.
Paulo Guedes é a estrela galáctica da caravana chinfrim. Em dois anos de ilusionismo faz jus ao estrelato como mágico, com capa, cartola e uma varinha tímida. Das 19 metas prioritárias, apenas duas evoluíram no período da lua de mel, que acabou. A promessa de zerar o déficit no primeiro ano era cortina de fumaça. Outros truques do prestidigitador também malograram. Nenhuma empresa foi privatizada, não se mudou o regime de exploração do petróleo, nem foram criados novos marcos para ferrovias, setor elétrico e outras promessas. As PECs (fundos públicos, emergencial e pacto federativo) seguem levitando.
Nos compartimentos secretos também sumiram a autonomia do Banco Central, a certificação digital, a mudança na lei de concessões, a alteração na lei de finanças públicas, a privatização da Eletrobrás e a simplificação do câmbio. Evoluíram o marco do saneamento, na contramão do mundo que reestatiza o setor, e a reforma da previdência, amadurecida ainda na administração de Michel Temer. As prometidas reformas administrativa e tributária permanecem como ilusões para entreter seus parceiros do mercado, que não costumam ser ludibriados.
Guedes perdeu auxiliares que o assessoravam nos truques econômicos e seu número foi interrompido várias vezes pelo capanga da caravana. Após 2 anos de tablado, com as luzes acesas, eis o balanço solar da economia: inflação ressurgiu, o desemprego explodiu, o capital fugiu, o real inexistiu, a dívida pública foi para os píncaros. O fim do auxílio emergencial, que maquiou um ‘pibelho’, irá contribuir para ampliar a fome e a miséria. O casamento com o ‘Centrão’ irá encarecer as metas de Paulo Guedes, inclusive a CPMF que ele chamou de “merda”, se rendendo à vulgaridade escatológica rotineira sob a lona.
Sérgio Moro redigiu e roteirizou o espetáculo macabro antes mesmo da estreia. Atuava escondido, atrás das cortinas. É o mecenas da comitiva. Acumulou ilegalmente os papéis de investigador e acusador para obter o alvará de abertura e funcionamento do circo dos horrores. Foi recompensado com o Ministério da Justiça e promessas de ser indicado para trupe do STF. Na ribalta bolsonarista foi um fiasco. Foi vaiado pela plateia democrática, pela claque e os artistas do fascismo com os quais dividiu o palco. Caiu do cavalo e atirou facas, cegas ou pouco afiadas, contra a montaria que ajudou a eleger e sabujou por mais de 1 ano.
O lado canastrão de Moro foi iluminado pelo “The Intercept”. Os diálogos mostram o então juiz sugerindo inversão de scripts da Lava Jato, escalando protagonistas entre os procuradores, orientando e ditando falas ao MP para descreditar a defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando testemunhas para figurar na acusação. Admitiu o vazamento criminoso de um áudio da presidente da República, grampeou advogados e suspendeu o sigilo da imprestável delação de Antônio Palocci em plena eleição, além de manobrar nas férias para impedir a soltura de Lula. Fez e desfez sem qualquer limite. A atuação facciosa de Moro se tornou uma cama de pregos esperando o STF.
Na temporada de 479 dias no proscênio bolsonarista revelou-se um acrobata da conveniência e subserviência. “Absolveu” o colega Onyx Lorenzoni pelo crime de caixa 2, escondeu-se no caso Marielle Franco, executada pela milícia amiga, condecorada e vizinha dos Bolsonaros, tapou o nariz diante do laranjal do PSL e silenciou no peculato atribuído a Flávio Bolsonaro. Não viu os delitos cometidos na coxia ministerial de 22 de abril de 2020. Nem lembrava o saltimbanco salteador de reputações, aquele que relativizou a presunção da inocência, abusou da publicidade opressiva, dos vazamentos como “peneira’ e quis deslegitimar a classe política indistintamente. Depois de atuar como juiz parcial, se travestiu de político medíocre e agora é remunerado por corruptores, um deles já condenado. Ensaia um novo figurino para comandar o próprio circo com suas regras fascistas e elenco transgressor.
Abraham Weintraub, o trauma da má Educação, é o domador das pulgas, invisíveis como seu legado. Escapuliu para os EUA homiziado na imunidade diplomática do cargo de ministro. Fugiu depois de babar valentia na reunião ministerial de abril de 2020, xingar os ministros do STF de “vagabundos” e defender a prisão arbitrária dos integrantes da Corte. A história registrará um ministro de histórico escolar sofrível, que cometeu erros crassos de português e o economista que não sabe fazer contas com chocolates, que deram a doce vida a Flávio Bolsonaro. Carlos Decotelli o substituiu na camarilha, mas foi expelido por fraudes no currículo. O atual titular da pasta da Educação, Milton Ribeiro, é o mímico. Fala pouco e quando fala decepciona. Deveria seguir calado. O Enem 2021 foi caótico e racista.
Ricardo Salles é o piromaníaco, o cuspidor de fogo. Incensa as chamas dos incêndios que devastaram a Amazônia e o Pantanal. O ministro defende o meio ambiente, ou seja, não precisa ser o ambiente inteiro, apenas a metade do que é hoje. O desmonte dos órgãos de fiscalização facilitou a propagação das labaredas e a passagem da boiada. A incandescente imagem brasileira no exterior vem da complacência com o desmatamento. Ricardo Salles foi condenado por improbidade pela Justiça de São Paulo, acusado pelo Ministério Público de cometer fraude na elaboração do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do rio Tietê. Recorreu, mas segue chamuscado.
André Mendonça, jurista sem expressão, faz as vezes do domador. De olho no STF, arreganha as presas autoritárias para defender o chefe. Para tanto, abusa da autoridade. A adulação ao capitão pretende adestrar, quem sabe enjaular, os críticos do espetáculo. Os alvos são jornalistas, advogados, professores, intelectuais e demais oponentes. Já levou uma chicotada do STF depois que o Ministério da Justiça xeretou ilegalmente a vida de 579 pessoas qualificadas como integrantes do “movimento antifascismo”. Pareceu indolor. Depois disso já abriu vários inquéritos contra jornalistas. O último alvo foi um advogado crítico do governo, com base na Lei de Segurança Nacional, que nem sequer foi recepcionada pela Constituição. Mendonça foi novamente encoleirado e o inquérito será trancafiado no arquivo.
Marcos Pontes, o astronauta, o homem do mundo da lua, é o equilibrista entre a ciência e o negacionismo. Pousou na serragem da terra plana com uma revolução em 23 de outubro de 2020. “Dá para ter uma noção do que estamos anunciando aqui hoje, né? Nós estamos anunciando algo que vai começar a mudar a história da pandemia”, jactou-se sobre o uso de Annita. Naquele dia eram 156 mil mortos e 5 milhões de infectados. Agora são mais 220 mil cadáveres e mais de 9 milhões de casos. Pontes veio da ciência, mas optou pelo curandeirismo. O antiparasitário, como a cloroquina, não mudou a história da pandemia. A nova missão do astronauta, dada pelo faquir institucional, é desenvolver a vacina brasileira. Não se sabe quantas luas e mortes até lá.
Augusto Heleno, general da reserva, é a marionete do circo. Ele comanda uma tenda que não inspira nenhuma segurança institucional, apesar dos ‘soquinhos’ na mesa e ameaças. Sob sua vigilância o avião presidencial foi usado para traficar cocaína e currículos de ministros foram falsificados. Anda enrolado com um ensaio, onde a Abin é suspeita de auxiliar a defesa de Flávio Bolsonaro, denunciado por corrupção. Seu esquete mais famoso foi a fanfarra golpista diante da possibilidade de o STF apreender o telefone do titeriteiro. Isolado, encenou arrependimento por ter insinuado romper os cordéis democráticos. Disse que não quis dizer o que escreveu. Nos camarotes do show de horrores tem lugar cativo, apesar de quase se enforcar nas cordas do mamulengo.
Damares Alves é uma das poucas presenças femininas na companhia de quem considera mulheres uma “fraquejada”. Pelo exotismo, especialmente no debate sobre gêneros, é a mulher barbada da trupe, tão improvável quanto um unicórnio. Viu Jesus na goiabeira, tem uma adoção nebulosa e ostentou títulos acadêmicos inexistentes. Vive catequizando sobre azul para meninos e rosa para meninas e outras bizarrices medievais. Está sendo investigada por tentar impedir um aborto legal de uma criança de 10 anos estuprada pelo tio durante 4 anos no Espírito Santo. Melhor colocar as barbas de molho.
Onyx Lorenzoni é o malabarista, da ética. Foi relator das 10 medidas contra a corrupção. Falou grosso. É investigado pelo crime de caixa dois e fala fino. A “anistia” de Moro não passou de uma cambalhota retórica. Os delatores da JBS apontaram dois repasses a Onyx, um de R$ 100 mil em 2014 e outro de R$ 100 mil em 2012. Onyx já admitiu em uma entrevista ter recebido R$ 100 mil da JBS em 2014 e pediu desculpas, afirmando que deveria “pagar pelo erro”. Mudou de posto e hoje ocupa o trailer pilotado anteriormente pelo quiromante fracassado Osmar Terra, que já profetizou o fim da pandemia mil vezes.
Marcelo Álvaro Antônio, ex-ministro do Turismo e deputado, é o contorcionista da caravana. Denunciado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais sob acusação de envolvimento no esquema de laranjas do PSL se retorceu para ficar no cargo no governo que diz combater a corrupção. Só deixou o circo bolsonarista depois de escancarar os métodos fisiológicos em um grupo de conversa de ministros nas redes sociais: “Não me admira o Sr. Ministro Ramos ir ao PR pedir minha cabeça, a entrega do Ministério do Turismo ao ‘Centrão’ para obter êxito na eleição da Câmara dos Deputados”, escreveu Álvaro Antônio. A cabeça do contorcionista só rolou após o sincericídio.
O mestre de cerimônia desse circo de horrores é um anão institucional, protagonista rudimentar da trampolinagem e saltos mortais contra a Democracia. Escarnece do respeitável público, ensaia espetáculos autoritários, venera o globo da morte, enaltece os homens-bala da milícia, macaqueia carniceiros e torturadores, açoita avanços civilizatórios, pipoqueia a ignorância e incensa a barbárie com seus micos amestrados no cercadinho do Alvorada. A rede de proteção sob o trapézio vai se dissipando e afetando o equilíbrio. Sua arquibancada vai se cingindo ao ‘Centrão’, feras da sobrevivência que não hesitam em atirar presidentes aos leões, como sabem Dilma Rousseff e Fernando Collor. O Brasil está na lona, o trabalhador sem pão e padecendo diante de um circo macabro. Alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo?