No dia 12 de janeiro o mercado foi abalado por informação relativa à situação contábil da Americanas. publicada com destaque no Caderno Economia & Negócios, do jornal O Estado de S. Paulo. Informava que o presidente Sérgio Rial, e o diretor de Relações com Investidores, André Covre, renunciaram aos respectivos cargos “após a companhia detectar inconsistências em lançamentos contábeis estimados em R$ 20 bilhões”. Os executivos haviam tomado posse há 11 dias (pág. B12).
Passados dois dias, o mesmo jornal relatava que a direção da Americanas “pediu e conseguiu proteção contra credores que queiram antecipar o pagamento de dívidas”. O Juiz Paulo Assed, da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, concedeu tutela “para suspender vencimentos antecipados e efeitos de inadimplência da companhia”.
Inconsistência é antônimo de consistência, vocábulo que significa credibilidade, veracidade, solidez. Lançamentos contábeis inconsistentes – eufemismo para incoerentes ou incongruentes -, são fortes indícios de fraude, da qual os acusados são três acionistas controladores, os miliardários Jorge Paulo Lemman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, conhecidos por integrarem reduzido grupo dos homens mais ricos do mundo.
Tão logo a situação da Americanas se tornou conhecida, os três majoritários se apressaram e fizeram publicar informe publicitário nos principais jornais, se referindo a “fato relevante”, com o qual a empresa “tornou pública a existência de significativas inconsistências em sua contabilidade”. Não negaram a inconsistência, mas responsabilizaram os credores.
No primeiro momento, a gestora 3G Capital, integrante do grupo econômico da Americanas, cujos proprietários são os citados Jorge Paulo Lemman, Marcel Teles e Carlos Alberto Sicupira, se dispôs a injetar R$ 6 bilhões na empresa. A oferta foi considerada insuficiente pelos bancos credores, os quais também rejeitaram ações como pagamento de dívidas.
Os levantamentos preliminares informam que as diferenças contábeis podem atingir a R$ 43 bilhões. Os bancos estão entre os maiores credores. Entre eles o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDS, com créditos, respectivamente, de R$ 1,3 bi e, R$ 501 e R$ 267 milhões. Além das obrigações que devem ser incluídas no plano de recuperação judicial, a Americanas deve R$ 1,8 bi em tributos para a União, São Paulo e Rio de janeiro.
Mais preocupante do que a situação dos bancos, é a dos empregados, algo em torno de 45 mil. Admitindo-se que o salário médio mensal seja de R$ 6.000,00, com as obrigações sociais pode-se estimá-lo em R$ 10 mil redondos. Os números nos levariam à algo em torno R$ 450 milhões mensais, que devem ser depositados, em conta bancárias dos assalariados, “o mais tardar até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido”, conforme ordena o inflexível artigo 459, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Conheci Lojas Americanas na Rua Direita, ainda criança, quando vinha de Capivari a São Paulo, pela Estrada de Ferro Sorocabana. A Direita era uma das mais ruas elegantes da Capital e a Americanas o sonho de todas as crianças, pela variedade, exposição e colorido de milhares de artigos vendidos a preços populares.
Vê-la na situação em que foi colocada, me faz recordar outras empresas que conheci e frequentei, como o Mappin e a Mesbla. O Mappin, durante muitos anos local de encontro de senhoras de alta sociedade para o chá das 17:00hs, teve a falência decretada juntamente com a Mesbla. Ricardo Mansur, acionista controlador, foi processado por fraude e condenado a 11 anos e meio de prisão. Ignoro se cumpriu (O Estado, 23/1, pág. B8).
Jorge Paulo Lemman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira não devem estar seguros da impunidade. A Justiça está sob pressão. O seu prestígio e respeitabilidade estão em jogo. Por outro lado, os credores não se limitam aos empregados. São grandes bancos, financeiras, atacadistas, o Tesouro da União, dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
A prudência recomenda cautela. Se condenados criminalmente terão nos calcanhares a Interpol, com direito a fotografias colocadas em aeroportos. Resolvam o impasse mediante acordo. Proponham desembolsar R$ 24 bi. Cada um arcará com R$ 8 bi. Para eles, são valores razoáveis e bom começo nessa espécie de negociação. Quanto aos salários, tratem de pagá-los pontualmente. Com os empregados o entendimento deve se processar conforme os limites rígidos da lei. Atrasar salários, nesta altura, inviabilizará o pedido de Recuperação Judicial.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.