Simão Bacamarte, protagonista de “O Alienista” de Machado de Assis, é a alegoria arquetípica envolvendo loucura e demência. Bacamarte, atormentado em seu domínio, o manicômio da Casa Verde, é uma criatura surtada entre a insônia e a insânia. Todos os inimigos são diagnosticados como loucos. Ao final da trama conclui que o único alienado é ele próprio e se encarcera.
Antes espalhou terror e pânico na Vila de Itaguaí. Jair Bolsonaro é outro Simão delirante, valentão que ameaça dar porrada e se auto intitula como o imbecilizado Johnny Bravo. Na era Bolsonaro trocamos o Simão de Machado pelo bacamarte bélico, pela arminha. A patologia de ambos não permite um dia de paz na Itaguaí fictícia ou no Brasil real com comportamentos desequilibrados e mal intencionados.
Em um surto de fúria, talvez transtornado por ansiolíticos, excedeu todos os desvarios anteriores e se esmerou em novos disparates. Uma logorréia doentia. Celebrou o suicídio de um ser humano, atribuindo a morte – equivocadamente – à vacina de origem chinesa. Também insultou os brasileiros que respeitam a ciência e pagam os impostos. Qualificou a todos de “maricas”. Para estupefação mundial e chacotas, ameaçou uma guerra de “pólvora” contra a maior potência militar do planeta, que será comandada a partir de janeiro por Joe Biden. Ao enxotar Donald Trump da Casa Branca o democrata parece ter agravado as paranoias da Casa Verde.
“Assistimos há pouco aí um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão, não funciona”.
O que unifica a salivação de tantos chiliques despropositados é o culto à morte. Comemorar a interrupção de pesquisas e torcer pelo fracasso de qualquer uma das vacinas, por motivações políticas, é apologia ao extermínio, um crime contra a humanidade. Ofender os brasileiros, desafiando-os a desprezar a Covid 19, como sempre fez, e sugerir uma guerra insana são outros eloquentes distúrbios de quem venera o outro lado da vida e sabota o conhecimento. O mascate da morte já expôs o menoscabo com a vida alheia durante toda a pandemia. Minimizou os efeitos, estimulou aglomerações, receitou inutilidades e até sugeriu a invasão de hospitais para filmar delirantes leitos vazios.
Suas afirmações são próprias de um idólatra de ditadores assassinos, infames e sanguinários. Já defendeu matar 30 mil brasileiros, inclusive inocentes. Ameaçou “fuzilar a petralhada”, quer banalizar o acesso às armas de fogo e é íntimo e vizinho de milicianos do Rio de Janeiro, a face mais aterradora da morte. A malta que executou a vereadora Marielle Franco. A mesma horda que serviu a família nas ‘rachadinhas’ e foi condecorada na cadeia pelo filho, Flávio Bolsonaro, e cuja legalização foi defendida pelo capitão e o atual senador. A necrópole os circunda e nos ameaça diante de uma obsessão febril mesmo depois de mais de 164 mil mortos pela pandemia.
“Tudo agora é pandemia, tem que acabar com esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento. Todos nós vamos morrer um dia, aqui todo mundo vai morrer. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas”. No dicionário os “maricas” podem ser os homossexuais ou covardes. O histórico de ódio e homofobia, inclusive o mais recente, o preconceito ao refrigerante no Maranhão cor de rosa, indica qual foi o alvo escolhido. Pelos menos 70% dos “maricas”, inclusive na acepção de covardes, não se alistariam nas trincheiras de Bolsonaro.
As alucinações do capitão após o malogro eleitoral dos republicanos nos EUA e os reveses desenhados para eleição municipal podem explicar parte de suas reações psicóticas. A falta de senso moral, a incapacidade de compreensão e atraso mental não o isentam de ser julgado e condenado por eventuais crimes que venha cometendo. A “revolução das canjicas” – também do “Alienista” – contra Joe Biden já é motivo suficiente, além de outros, para prescrever a terapia de choque por crime de responsabilidade. Ele não é inimputável.
As irreflexões toscas e obscurantistas do capitão que abodegou o Planalto não podem se sobrepor ao pensamento coletivo na obsessão por normalizar absurdos. Ainda que invocada a liberdade de expressão, sempre simplificada pelo próprio capitão como “desabafos”, corre-se o risco de abrir flancos para festins fascistas que foram enquadrados no meio do ano. Naquele momento o capitão não se tornou um democrata por vocação. agachou apenas em nome da sobrevivência dele e dos filhos. Sempre que se sente confortável ressuscita sua índole 3 F: fobia, fúria e fixação.
Não se sabe o tamanho da armada de Brancaleone que o corneteiro belicoso espera recrutar em sua alucinada batalha contra os EUA. Na última vez que ousou convocar as tropas – contra as instituições – ficou falando sozinho. Na psiquiatria é o solilóquio. Após as baixas, capitulou diante dos cavalariços do centrão que, até aqui, fazem a sentinela do manicômio contra o impeachment em troca de mamatas. Talvez, ao final, fique apenas com a falange maltrapilha dos milicianos, parceiros tradicionais da família Bolsonaro e remunerados por soldos desonestos. Generais da reserva e da ativa foram humilhados pelo capitão. A casa verde-oliva também corre o risco de nova desmoralização.
Nosso Simão não parece são. De bacamarte à mão, deixa a Casa Verde e marcha a passos trôpegos para o conflito épico contra a Casa Branca. A munição no alforje é a clorofila, a cloroquina e o agente laranja do PSL. Impõe-se o contra-ataque dos destacamentos democráticos na construção de barricadas em favor das cidadelas da liberdade, da ciência, da razão e da vida, contra o morticínio provocado pelo desequilíbrio patológico e a incapacidade crônica.
O Brasil fez a reforma psiquiátrica em 2001 na esteira da luta antimanicomial. A nova lei aboliu a camisa de força, o sossega leão, priorizou o atendimento psicossocial e fechou manicômios gradualmente. Mas o governo atual é coisa de louco. Sem uma interdição, o risco – como atestou o autêntico Simão Bacamarte machadiano – é que a loucura, antes “uma ilha perdida no oceano da razão”, vire um continente.