Após a posse do capitão, o Brasil começou a retroceder em todos os campos: institucional, jurídico, político, econômico, cultural, meio ambiente, política externa e social. Em 2 anos única agenda do governo é medíocre, antiquada e desconectada do mundo. Ela está toda concentrada em retrocessos civilizatórios, em costumes, como tentou e malogrou Jânio Quadros, há 60 anos. Bolsonaro, como mascate da morte na pandemia, quer armar a população, conceder licença para matar e outros disparates anacrônicos.
As teses arcaicas são da baixa idade média e as formulações alheias a dramática crise sócioeconômica do momento. Na obsessão de abodegar o Brasil voltamos a discutir temas soterrados pela história, em um resgate inadmissível da idade das trevas e inútil perda de tempo. É um mergulho vertiginoso no mais sombrio período da história da humanidade.
A dita nova política, embuste publicitário de mudança de métodos e inovação nas ações, nos apresenta um cardápio de velhacarias nauseabundas. Após a tentativa de golpe no capitólio dos EUA, o capitão ressuscitou por aqui a tese do voto impresso, em mais um aceno delinquente para a ruptura institucional, delirando sobre fraudes inexistentes. O voto eletrônico, seguro e confiável, é uma das maiores contribuições do Brasil para as democracias representativas modernas, onde a apuração é concluída em horas, não dando margem a nenhuma modalidade de fraude. Recusar a modernidade e avanços institucionais beira a insanidade e flerta com o golpismo, método recorrente das comichões tirânicas.
As eleições no Congresso Nacional, com a interferência do governo, golpeando a independência dos poderes, reavivaram as mais velhas práticas da mais velha política. A fisiologia, o velho “toma lá dá cá”, o conhecido “é dando que se recebe” voltaram a ser verbalizados com uma desinibição desconcertante, rebaixando o Parlamento a uma xepa indigesta. Os novos presidentes são aliados e atuarão para esvaziar o incipiente movimento pró-impeachment. O centrão é decrépito. Sua existência e apetites são ancestrais. Seus integrantes pantagruélicos passam a dar as cartas e saberão modular a cobrança pela lealdade ocasional. Há quem confie.
A transparência e o controle público são aprimoramentos caros ao País. A Lei de Acesso à Informação é vítima recorrente dos aliados do capitão. A opacidade governista, na contramão da modernidade, bombardeia ou dificulta o acesso aos dados públicos. Após o escândalo de R$ 1,8 bi para o rancho governista, a primeira vítima foi o portal da transparência, que saiu do ar. A farra com leite condensado, chicletes, bombom e pizza, além da alfafa, liberaram os instintos mais primitivos, dignos dos trogloditas: “Quando vejo a imprensa me atacar dizendo que comprei R$ 2,5 milhões de lata de leite condensado, vai pra puta que pariu, imprensa de merda. É para enfiar no rabo de vocês da imprensa”, bradou o capitão.
Fustigados pela docilidade hitleriana, que também abominava a imprensa, os profissionais da comunicação vivem sob tensão e as ameaças dos porretes dos ogros bolsonaristas. Em 2020 foram 580 ataques (média de 1,5 agressões/dia). Os mais hidrófobos foram Eduardo Bolsonaro (208), Jair Bolsonaro (103), Carlos Bolsonaro (89) e Flávio Bolsonaro (69). Outras autoridades adestradas pelo gabinete do ódio também espumaram contra a imprensa.
As organizações Globo foram o alvo preferencial, seguido do Grupo Folha e Estado de São Paulo. A opacidade também é a marca nos escândalos de corrupção envolvendo a família Bolsonaro. Pressuposto elementar da democracia é a publicidade dos atos. Nossa Constituição rejeita o poder oculto ou o quem se oculta no poder. Por isso, é ilegítimo o governo que se esconde nas sombras para fugir da visibilidade social.
A salivação colérica sempre explode quando o clã está acuado, como bestas feridas. Arreganham as presas, rosnam e atacam irracionalmente. Um repórter indagou ao capitão em agosto de 2020: “Presidente, por que a sua esposa recebeu R$ 89 mil do Fabrício Queiroz?” O capitão reagiu bestialmente para intimidar: “Minha vontade é encher tua boca com uma porrada, tá”. Sem esclarecer nada, Bolsonaro grunhiu: “Seu safado”.
Em outra entrevista, em maio do mesmo ano, Bolsonaro rugiu na crise do aparelhamento político da PF: “Que imprensa canalha a Folha de São Paulo”. “O senhor pediu a troca, presidente?”, perguntou uma repórter. “Isso é uma patifaria”, esbravejou Bolsonaro. “O senhor pediu alguma troca no Rio?”, reiterou a repórter. “Cala a boca”, gritou o tiranete desprezando o voto histórico da ministra Carmen Lúcia: “cala boca já morreu”. Há inúmeros ataques de selvageria confirmando a involução na prestação de contas, bem como investigações ilegais da ABIN, da Receita Federal, inspirados no SNI, já abortadas pelo STF.
A insana marcha aos primórdios incluiu o negacionismo e obscurantismo durante a pandemia, repetindo comportamentos idênticos aos das pestilências medievais. Na idade média, durante a peste negra, prevaleceu a crença com o consequente sacrifício da razão. A dicotomia entre ciência e crença, luz e trevas, civilização e barbárie se repetiu no Brasil, o pior país no enfrentamento da Covid-19.
Muitos séculos nos separam da idade média, apenas os dirigentes atuais nos aproximam dela. A abulia feudal orientou os cavalariços da estrebaria a negar a pandemia, além de demitir os discordantes. Minimizou, convocou aglomerações, prescreveu remédios inúteis, estimulou a invasão de hospitais e desprezou as vacinas, milhões de doses do imunizante. A inação optou pela morte, pela crença e pela mentira. Jazem inocentes e desprezados mais de 235 mil brasileiros.
Outro condutor (führer, em alemão) do retrocesso à idade média foi Sérgio Moro. As trapaças na Lava Jato, transgressões e ilegalidades, agora periciadas e ampliadas, retiraram do páreo presidencial Luiz Inácio Lula da Silva. Moro, agindo nas catacumbas, acumulou ilegalmente os papéis de investigador, acusador e julgador. Foi recompensado com o Ministério da Justiça e outras promessas. Os diálogos já conhecidos mostravam Moro invertendo ordens da operação, escalando procuradores, orientando a acusação, inclusive com notas para desqualificar a defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando testemunhas de acusação. Admitiu o vazamento criminoso do áudio da presidente da República, grampo em advogados e levantou o sigilo da delação imprestável de Antônio Palocci em plena campanha presidencial. Foi faccioso e, desmascarado, responderá por isso.
Os novos diálogos são estarrecedores. Eles confirmam que Moro era o pauteiro, comandante e organizador dos excessos da Lava Jato. Um juiz de primeira instância, com propósitos espúrios, capturou um órgão de Estado para perseguir, fraudar ritos processuais e construir um cadafalso político até conquistar um troféu ao imolar um inocente e acocorar a Suprema Corte. Um escândalo que precisa ser apurado. Os comentários da “equipe de Moro” no MP são repugnantes. Ele, por sua vez, comenta “um bom dia afinal”, vibrando após ser avisado da denúncia contra Lula. O aprendiz de inquisidor de tribunais políticos, Dallagnol usa e abusa de consultas irregulares na Receita Federal, comemora a prisão de Lula como “caneco” e agradece à CIA. A procuradora Carolina Rezende vai além e diz que, como prioridade número 1, é preciso “atingir o Lula na cabeça”, comprovando a perseguição, seletividade e rasgando a Constituição.
A índole dolosa dos verdugos não surpreende os leitores do artigo incensando a operação “Mãos Limpas”, na Itália, que teve excessos, abusos e o “circo midiático” como aqui. Em 2004, antes da fama, Sérgio Moro redigiu uma doutrina particular da usurpação, que se tornou o vade mecum da Lava Jato.
O memorial fascista é sucinto, mas o suficiente para atirar a democracia na fogueira. Eis a súmula: a presunção da inocência pode ser mitigada para encarcerar suspeitos indefinidamente, prender apenas para delatar, deslegitimar a classe política indistintamente e usar os vazamentos como “peneira”, a chamada publicidade opressiva que desequilibra a balança da Justiça e desfaz as chances de julgamentos imparciais. Não foi um mero arrazoado. Ele o executou na Lava Jato quando sequestrou o Ministério Público e vulgarizou as preventivas transformando-as em regra, abusou das coercitivas, selecionou vazamentos, blindou aliados sob a aquiescência inquietante do STF. Seu ícone italiano, Antônio Di Pietro, pilhado com as mãos sujas, foi do céu ao inferno rapidamente. Moro, menos talentoso, segue o mesmo calvário e mais acelerado.
O símbolo mais eloquente das atrocidades da idade média é Tomás de Torquemada. Um inquisidor abominável que invejaria a crueldade da Torre de Curitiba. Torquemada é sinônimo de infâmias, selvagerias, transgressões, impiedades, abusos e expoente máximo dos satânicos tribunais do Santo Ofício. Ele também encarnou os papéis de investigador e julgador. As torturas e prisões eram rotineiras. As acusações precárias, tramadas em calabouços mal iluminados, com testemunhas secretas incineraram perto de 2 mil inocentes. Os meios eram a perseguição, intimidação e ausência da defesa. A doutrina de Torquemada foi ampliada conferindo-lhe elevada autoridade. A Lava Jato de Curitiba é um transgênico bolorento da Inquisição com as “Mãos Limpas”.
Torquemada era o chefão da caça às bruxas na Espanha. Moro, como mostram os diálogos, também era o manda-chuva. O espanhol era cruel, sádico, frio e genocida. Em nome do fanatismo recorreu a vários instrumentos de tortura para coagir e forjar confissões. Com os poderes alargados pelo silêncio permissivo dos poderosos e o consentimento da opinião pública investigou não só heresias e apostasias, mas feitiçarias, sodomias, blasfêmias, poligamia e usura. O “russo” Sérgio Moro, admirador das testemunhas secretas e violador da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, não escaparia da fogueira impiedosa de Torquemada por heresias jurídicas. O ex-frade dominicano queimou milhares em nome da uma limpeza étnica. Moro incendiou centenas em nome de uma farsa ética.
A Lava Jato, em especial o epicentro no Paraná, foi um dos maiores flagelos do Brasil. É comparada à Torre de Londres, catacumba sombria do terror, da tortura e de mortes. Um tribunal exceção, de tiranias e de abusos. A torpeza da temida Torre de Curitiba destruiu famílias, perseguiu inocentes, espalhou o pânico, provocou desemprego superlativo, o fechamento de empresas, infortúnios, dores e selecionou quem punir e quem proteger. Foi um asfixiante retorno ao mais tenebroso e sórdido passado da humanidade, degrau superior da infâmia. Torquemada significa torre queimada. Uma infausta coincidência para a Torre de Curitiba que derrete sob as labaredas das ilegalidades perpetradas pelo Estado contra seus cidadãos. O Brasil “rejuvelhesce”, segue conjugando o futuro no tempo pretérito.