Mudança no rito das MPs só depende da vontade do Congresso

O Congresso vem sendo palco de uma batalha silenciosa até aqui, em torno da Proposta de Emenda à Constituição que, basicamente, altera os prazos para tramitação das medidas provisórias. A PEC levou oito anos para ser aprovada e está aguardando promulgação há seis meses. Sem isso, não entra em vigor

O senador Davi Alcolumbre e o deputado Rodrigo Maia - Foto Orlando Brito

O Senado concluiu na quarta-feira, 11, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que autoriza a transferência direta de recursos de emendas parlamentares individuais ao Orçamento para estados, incluindo o Distrito Federal, e municípios. No dia seguinte, em sessão solene do Congresso, a emenda foi promulgada.

No dia 12 de junho, o Senado concluiu a longa tramitação da Proposta de Emenda que altera o rito de tramitação das medidas provisórias, instrumento que o Poder Executivo dispõe, desde que a Constituição de 1988 veio à luz, para propor temas legislativos, com força de lei, diante de questões que atendam aos princípios de urgência e relevância. Passados seis meses, a emenda ainda não foi promulgada.

Este é o registro da anormalidade, para usar uma expressão do cronista e escritor Rubem Braga (1913-1990) em referência ao jornalismo.

A transferência direta de recursos orçamentários, apelidada de PEC das Emendas, era quase unanimidade no Congresso (no Senado recebeu dois votos contrários). A promulgação era necessária para respaldar a destinação de recursos na proposta orçamentária. O mecanismo entra em vigor a partir de 1° de janeiro de 2020.

Já a alteração no procedimento de apreciação das medidas provisórias pelo Congresso tinha como parte interessada o Senado, onde foi proposta em 2011, tendo como primeiro signatário o então presidente da Casa, José Sarney. É no mínimo estranho que uma proposta tão desejada pelos senadores tenha perdido o encantamento em oito anos.

Eram generalizados os protestos dos senadores contra a falta de tempo para analisar as MPs. Depois de passar uma temporada na Câmara, as matérias chegavam para análise dos senadores perto do fim do prazo de vigência, que é de 120 dias. Ao mesmo tempo vinha o apelo das lideranças governistas para que o Senado aprovasse o texto sem emendas, pois qualquer nova modificação implicaria o retorno à Câmara, o que seria fatal para a medida provisória.

Sessão do Congresso Nacional – Foto: Orlando Brito

A PEC 11/2011 tinha como principal inovação o estabelecimento de prazos individuais para cada fase de tramitação das medidas provisórias. Em sua versão final fixou os seguintes prazos:

  • Comissão Mista do Congresso – 40 dias
  • Câmara dos Deputados – 40 dias
  • Senado Federal – 30 dias
  • Câmara dos Deputados (em caso de alterações do Senado) – 10 dias

Ao longo do tempo de tramitação, a proposta ainda incorporou entendimentos e decisões inclusive do Supremo Tribunal Federal a respeito da tramitação das MPs. São exemplos o veto à inserção de dispositivos estranhos à matéria, conhecidos no Legislativo como “jabutis”, e a flexibilização do trancamento de pauta, vale dizer: a medida provisória só tranca a pauta de trabalhos da Câmara ou do Senado ante matérias que possam ser tratadas por medidas provisórias. Fica de fora uma série de proposições, como as PECs e os decretos legislativos.

A proposta chegou à Câmara em agosto de 2011. Por estabelecer limites mais rígidos para a análise das MPs pelos deputados, é natural que não tenha sido bem recebida.

Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Casa em setembro de 2012, só teve o parecer votado em comissão especial na legislatura seguinte, em outubro de 2015. Enviada para o plenário ainda naquele mês, foi pautada diversas vezes, sem sucesso, sendo votada, por fim, já na atual legislatura, em junho de 2019. Portanto, atravessou duas legislaturas, que são de quatro anos cada, só sendo aprovadas na terceira.

Como os deputados fizeram mudanças no texto, a PEC voltou para o Senado, sob a identidade 91/2019, e teve a tramitação concluída.

De lá para cá muitas medidas provisórias foram editadas basicamente sob regras estabelecidas pela Emenda Constitucional 32, de 11 de setembro de 2001, quando poderiam sofrer mais limitações, se estivessem obedecendo aos novos parâmetros.

Adiamento conveniente

Senador Paulo Paim, do Rio Grande do Sul – Foto: Orlando Brito

O senador Paulo Paim (PT-RS) cobra do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a promulgação da proposta e enumera algumas PECs promulgadas nos últimos meses, entre as quais se destaca a Reforma da Previdência (PEC 06/2019). Entre as medidas provisórias que poderiam ser submetidas às novas regras ele cita:

  • MP 890 – Programa Médicos pelo Brasil;
  • MP 893 – Transforma o Coaf em Unidade de Inteligência Financeira (UIF).
  • MP 898 – Cria o 13º benefício para o Bolsa Família;
  • MP 904 – Extingue o Seguro Obrigatório (DPVAT);
  • MP 905 – Institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo.

Paulo Paim adverte que, enquanto a PEC 91 não for promulgada, novas MPs poderão ser publicadas, instituindo direitos e obrigações.

O senador acredita que o longo tempo consumido sem a promulgação da Emenda Constitucional se deve ao interesse do presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre, de não impor novos limites ao Governo Bolsonaro.

Enquanto pelas regras em vigor a medida provisória só perde a validade ou “caduca” depois de 120 dias, pelas novas regras aprovadas poderia caducar em três circunstâncias, se não fossem respeitados os prazos estabelecidos para a Câmara (40 dias), para o Senado (30 dias) e para o retorno à Câmara (dez dias). Seriam riscos adicionais ou mais limitações para Poder Executivo.

O veto aos “jabutis” não é propriamente uma novidade, guardando mais afinidade com a moralidade. O veto conta com jurisprudência no STF e, dando sobrevida à imagem, qualquer tentativa de colocar um réptil exclusivamente terrestre, provido de carapaça, no alto de uma árvore pode ser derrubada na Justiça.

O presidente do Senado procurou explicar que a complexidade do tema gerou divergências entre as assessorias das duas Casas. Davi Alcolumbre lembrou que não existe prazo legal para a promulgação de uma PEC aprovada e admitiu que ainda não teve tempo para fazer uma reunião com a Câmara a fim de dirimir dúvidas em relação à matéria.

Câmara x Senado

Os esclarecimentos do presidente do Senado não estão muito longe da verdade. De fato, a direção da Câmara (e não a assessoria, como disse Alcolumbre) não ficou satisfeita com o parecer aprovado pelo Senado. É preciso lembrar que a promulgação de uma PEC depende da assinatura de todos os integrantes das mesas diretoras de Câmara e Senado.

Os deputados entendem que, como o Senado modificou o texto recebido da Câmara e como uma PEC exige a aprovação do mesmo texto, em dois turnos, pelas duas Casas, o mais sensato seria o retorno da PEC à Câmara.

Senador mineiro Antonio Anastasia – Foto: Orlando Brito

Embora o relator no Senado, Antônio Anastasia (PSDB-MG), tenha dito que acatou somente emendas de redação, o entendimento na Câmara é outro.

A Câmara propôs que caso as comissões mistas formadas para dar parecer sobre as medidas provisórias não respeitassem o prazo de 40 dias a matéria perderia a validade. O Senado suprimiu esta possibilidade de as MPs caducarem.

O autor da emenda supressiva, senador Esperidião Amin (PP-SC), justificou sua iniciativa argumentando que a redação dada pela Câmara traz “um verdadeiro golpe” contra a tramitação das medidas provisórias, ao prever a perda de eficácia se não forem apreciadas pela comissão mista no prazo estabelecido. Amin observa que bastaria que um grupo parlamentar utilizasse “expedientes protelatórios” para a MP perder a eficácia. Por isso, defendeu a retirada de tal dispositivo.

Esperidião Amin tem razão na crítica, mas é razoável que os deputados não tenham gostado dela e que considerem que tal supressão vá muito além de mera emenda de redação.

O problema está posto. Vai caber ao presidente do Senado “construir”, como ele costuma dizer, uma solução negociada para o caso. Até lá o governo vai editar quantas medidas provisórias julgar necessárias. Ou mais. O governo quase sempre exagera.

Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise

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