Gente supostamente muito bem informada, em importantes veículos de comunicação, tem tratado a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro como uma “intervenção militar”. Chegam ao cúmulo de afirmar que “uma parcela considerável” da população estaria preocupada com isso, traçando um paralelo com a ditadura militar. Ajudou nessa corrente de baixa informação e alta insensatez a desastrada declaração de um general, de que não querem que seus atos que serão praticados durante a intervenção venham a ser alvos de uma futura comissão da verdade, “daqui a uns 20 anos”.
A intervenção federal decretada pelo presidente Temer, e chancelada pelo Congresso, é uma medida tomada às pressas, com evidentes propósitos políticos (ainda que secundários), mas nem de perto se assemelha a qualquer fratura do arcabouço legal do país, como o foi o movimento que derrubou João Goulart em 1964. Tem maciço apoio da população fluminense e até brasileira, a julgar pelas pesquisas, e ainda não pode ser avaliada em seus resultados — o que dizer, então, de julgada por suas (inevitáveis) transgressões e excessos.
Pessoas preparadas — um general é uma pessoa extremamente preparada; assim como um âncoras de emissoras de rádio e comentaristas políticos — não deveriam criar versões teratológicas sobre fatos que podem, e devem, ser mensurados pelo que são e até pelo que poderão vir a ser, mas não pelo que eles gostariam (ou não) que fossem.
Pode um extraterrestre supor que confrontos armados entre tropas do Exército e organizações criminosas poderosas e cruéis, em territórios densamente povoados por civis, podem se prolongar por meses sem que uma única vida inocente seja perdida. Na real, aqui ou em qualquer um dos outros 200 países do planeta, sabe-se muito bem que não é assim, portanto são descabidas tanto as condenações antecipadas dos contrários à intervenção quanto as argumentações preventinas dos que vão, por assim dizer, botar a mão na massa.
Pessoas vão morrer, claro. Já morrem hoje. Aos montes, aliás. Discute-se até se os militares devem, diante de inimigos armados de fuzis, dizer “rendam-se” ou meter bala nos traficantes. Quem especula sobre isso, em geral, não tem a menor ideia do que está falando, nunca esteve em uma zona de guerra e, menos ainda, subiu um morro dominado pelo crime organizado na volta da escola ou do trabalho – como o fazem centenas de milhares de cariocas diariamente, esses sim os sitiados.
Se a intervenção federal (não militar) com o uso das Forças Armadas na segurança pública do Rio de Janeiro vai resultar em melhorias nesse cenário desolador de décadas, ainda é cedo para afirmar. A solução é complexa, demorada e extremamente penosa para a população, para as autoridades, para o país. Não há saída fácil para reconquistar a cidade do Rio de Janeiro — pelo menos isso os farisaicos especialistas que pontificam na mídia são capazes de reconhecer. Ali, o que se trava é uma guerra do bem contra o mal, do cidadão contra o crime, e não de ricos contra pobres, brancos contra pretos ou, ainda mais bizarro, de militares contra civis.