Eleição limpa é disputa de mandato popular em rigorosa igualdade de condições. Na data designada, candidatos escolhidos em democráticas convenções partidárias serão submetidos ao colégio de eleitores. Ao Tribunal Superior Eleitoral compete zelar pela lisura do processo, com a assistência do Ministério Público da União.
A tradição brasileira se caracteriza por eleições arduamente disputadas. Refiro-me, é óbvio, às disputas em cenário democrático, quando o povo goza do direito de eleger mediante voto secreto, protegido pelo sigilo, o candidato de sua preferência. Nas disputas para presidência da República, vencerá quem alcançar maioria absoluta, em primeiro ou segundo turno, conforme reza o artigo 77 da Constituição.
Até o momento dois candidatos revelam gozar da preferência dos brasileiros habilitados a votar. Luís Inácio Lula da Silva, indicado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), apoiado por dirigentes de seis legendas de esquerda: PCdoB, PV, PSB, Rede, PSOL, Solidariedade. Declarações da deputada federal Gleisi Hoffmann, revelam estar em curso negociações destinadas a atrair para a órbita lulista o PSD, liderado por Gilberto Kassab, e o MDB, graças ao desejo do senador Renan Calheiros.
O presidente Jair Bolsonaro conta, segundo informações veiculadas pela imprensa, com o apoio de 10 dos 24 partidos presentes na Câmara dos Deputados: o PL – ao qual se filiou para se candidatar – além do Patriota, PSC, Novo, PP, Republicanos, PL, PSD, União Brasil e PTB.
As candidaturas de Ciro Gomes, João Dória e de outros menos cotados, correm perigo de submergir. Pesquisas feitas por instituições idôneas, indicam que dificilmente terão chances de conquistar a faixa presidencial. A fragmentação da legenda tucana está prestes a se consumar, para desalento do ex-governador paulista.
A novidade nesta eleição é Simone Tebet. Forte no Estado do Mato Grasso, ganhou projeção nacional pelo trabalho desempenhado na CPI da Covid. O seu partido, entretanto, o MDB, está em curva descendente desde a conclusão dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. O espólio é disputado por antigos caciques, sobretudo nordestinos. Quase nada lhe resta do vigor adquirido na campanha das diretas, na fase inicial do primeiro Plano Cruzado, nas eleições para governadores em 1986. A legenda de Ulysses Guimarães e Pedro Simon reduziu-se a pálida sombra daquilo foi no passado.
Convertido em legenda inexpressiva, o MDB terá, nestas eleições e na pessoa da senadora Simone Tebet, a derradeira chance de voltar à primeira divisão da vida política. Se optar pelo apoio à Lula ou a Bolsonaro, em 2023 poderá ingressar com pedido de falência na Justiça Eleitoral, sem sequer contar com a possibilidade de recuperação judicial.
Para que a disputa seja leal, os competidores deveriam, porém, se apresentar em igualdade de condições. A instituição do direito à reeleição, ausente do texto original da Constituição promulgada em 5/10/1988, trouxe como resultado posição vantajosa para quem busca se reeleger, sem renunciar à confortável poltrona presidencial. Afinal, além de deter o comando supremo das Forçar Armadas, da Polícia Federal, por extensão da Polícias Militares dos Estados, goza da prerrogativa de legislar baixando Medidas Provisórias, tem nas mãos o controle da Administração Pública Federal, a chave do Tesouro Nacional e conta com a ajuda do “Centrão”.
Talvez os eleitores mais jovens não saibam que o privilégio de disputar reeleição, permanecendo no exercício do cargo, foi assegurado pela Emenda Constitucional nº 16, promulgada em 5/6/196, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi graças a ele que se reelegeram o próprio FHC, Lula, Dilma, e pretende se reeleger o capitão Jair Bolsonaro.
Disto não se deve concluir que a vitória do paraquedista está assegurada. Aquele que desfruta de posição vantajosa deve saber tirar vantagem. O presidente Bolsonaro, vítima de temperamento belicoso, incontrolável e agressivo, tem como programa de governo ser contra tudo e contra todos. Talvez isso explique o elevado índice de rejeição.
Lula está à frente nas pesquisas, mas é rejeitado por 43% dos eleitores, segundo pesquisas XP/Ipesp. O cenário poderá favorecer Simone Tebet, cujo nível de rejeição é irrelevante e desconhecido. A candidatura, entretanto, depende da volubilidade das lideranças estaduais do MDB, ansiosas por voltarem a desfrutar das delícias da corrupção que caracterizou o período lulopetista.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho