Estamos em época de eleição — e que eleição! Resolvi dar uma olhada na legislação eleitoral e fiquei com tanto medo que desejei ficar sabendo só o que já sabia. É que são tantas leis, tantas resoluções, tantas modificações contraditórias. E tem um complicador adicional: a má redação, que dá margem a equívocos ao definir e confunde e dá trabalho a juízes, tribunais e advogados.
Quando era Presidente do Senado tentei muitas vezes chamar a atenção para isso. Lembrei as preocupações de Rui Barbosa, falando do contraste entre a clareza necessária e as dúvidas que levantam as leis mal redigidas. Isso sem falar, é claro, na erudição gramatical que colocou na polêmica com Carneiro Ribeiro sobre o projeto de Código Civil de Clóvis Beviláqua, que ensejou as famosas réplicas e tréplicas.
Há dois graves problemas que o bom legislador deve ter sempre em mente: o excesso de leis e a lei mal redigida. Para tentar corrigi-las há tempos se fez uma lei complementar, a LC 95/1998. Pouco adiantou. Podemos dizer que há uma hierarquia de responsáveis pelo estado de nosso Direito, que afeta profundamente o nosso Estado de Direito.
Há um problema ético a exigir uma transformação da própria sociedade: as leis devem ter como único objetivo o bem comum. Mas sabemos que não é assim. Vivemos uma época em que o corporativismo é o maior autor de leis. Prevalece o interesse do mais forte, o que nos conduz em direção a uma plutocracia.
Há gestos mais pontuais. Contrariando a regra de que “cada lei tratará de um único objeto”, sempre aparece alguém pondo uma agulha no palheiro, para passar sem ser vista, mas que na verdade é jabuti em árvore. O melhor caminho para isso é se aproveitar de que o nosso principal legislador, o Poder Executivo, lança Medidas Provisórias a torto e a direito, como se houvesse urgência para tudo que acontece no País. Saem em perseguição à MP as emendas como as tartaruguinhas correm para o mar ao nascer. Quando os filhotes já não estão no texto enviado à Câmara. Pode ser por isso que se queira mesmo é confundir.
A lei deve ser precisa como um verbete escrito pelo Aurélio Buarque de Holanda: sem uma palavra a mais ou a menos. Com palavras a mais ou a menos tudo se transforma em batalha jurídica. O primeiro passo para se ter boas leis eleitorais — volto ao meu assunto — é uma profunda revisão que desbaste o excesso de folhas, deixando ser visto o tronco e frutificar em legisladores e administradores que saibam o que podem e devem fazer. Poucas páginas, poucas palavras — e que fiquem, sem mudar toda hora, de maneira que o eleitor e o candidato se conheçam, um tenha motivo e gosto de votar e o outro possa pedir para ser votado sem ficar devendo nada a ninguém, a não ser ao eleitor.
Os tempos mudam. Há 150 anos, uma das campanhas de Nabuco revolucionou o Recife, pondo a boca para falar pelos escravos e nela colocando seu coração. Pois bem; quando lhe disseram que tinha que pedir que votassem nele, ficou horrorizado: o eleitor tinha que votar em quem achasse melhor, não atender a pedidos.
Hoje o melhor que podemos fazer é procurar conhecer os candidatos por sua história. E fugir das fake news.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras (Artigo publicado também no jornal O Estado Maranhão)