O Congresso retoma as atividades cheio de expectativas. Depois de um ano favorável, como foi 2019, a perspectiva é de avanço nas reformas, aí incluídas aquelas visando à redução de despesas, que permitam o equilíbrio fiscal e contribuam, direta e indiretamente, para o aumento dos investimentos.
Em termos de desempenho do Legislativo, a vantagem de 2020 sobre o ano anterior é que deputados e senadores que representaram a grande renovação imposta pelas urnas nas eleições passadas já exercem a função com o mesmo desembaraço dos mais experientes. Ao mesmo tempo, muitos temas que estão na pauta a ser analisada pelos parlamentares já foram debatidos em 2019, o que facilita o processo decisório.
Não pense, porém, que tudo são flores. Está aí a oposição, mais acostumada ao papel delegado pelo conjunto dos eleitores, que não nos deixa mentir.
Há também desvantagens na comparação de 2010 com 2019. Uma delas é que o melhor ano para um governo no Congresso é o primeiro, em razão do capital político com que o presidente da República emerge das eleições e de uma certa “lua de mel” que incide sobre os primeiros meses de relacionamento entre Executivo e Legislativo.
É verdade que o presidente Jair Bolsonaro rompeu com um modelo de articulação política consolidado, ao desprezar o governo de coalizão, em que os partidos eram contemplados com ministérios e, em contrapartida, davam apoio ao Executivo no Parlamento. Isso deu margem para que as principais lideranças do Congresso, com destaque para os presidentes das duas Casas, assumissem a condução dos rumos das matérias mais importantes, a começar pela Reforma da Previdência. Ainda assim, o tempo desgasta o Palácio do Planalto na relação com o Congresso e os bônus do primeiro ano tendem a ficar no passado.
A segunda desvantagem, de maior relevância para a atividade legislativa, merece um parágrafo à parte.
É que estamos em um ano par, que no calendário político brasileiro significa ano eleitoral. Em condições normais de pressão e temperatura, os integrantes do Congresso participam ativamente das eleições municipais, nem tanto em número de candidatos a prefeito, mas para cumprir ou selar acordos políticos, que podem beneficiá-los nas eleições seguintes, para renovação dos próprios mandatos ou para tentar voos mais altos.
Como vivemos tempos de comportamentos cada vez mais radicais, a partir de agosto deixará de haver quórum para votações, que só deverão voltar à normalidade após o segundo turno eleitoral, em 25 de outubro.
Curadas as feridas das disputas municipais, a reta final do ano no Congresso deve ser propensa à aprovação de matérias, como sempre é, embora o ritmo acelerado dos trabalhos se aproxime mais de uma corrida contra o tempo do que de ações planejadas.
Mensagem Presidencial
O ano legislativo vai ser aberto nesta segunda-feira, 3 de fevereiro, em solenidade no plenário da Câmara. O evento destaca a leitura de mensagem do presidente da República prestando contas, tratando da situação do país e, eventualmente, elencando as suas prioridades no campo legislativo.
Nem sempre as prioridades do Executivo são claras na montanha de dados contidos na mensagem presidencial, mas algumas destas já vem sendo badaladas, tanto pelo presidente Bolsonaro quanto pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Longe de pretender esgotar aqui as prioridades, apresentamos uma relação de propostas que estarão norteando a discussão no Legislativo durante o ano.
Reforma Tributária – Carro-chefe desse desfile de propostas, a Reforma Tributária, que deve visar à simplificação do sistema tributário, é vista como a mais importante para o crescimento econômico, por livrar o país de entraves ao aumento da produtividade.
A proposta vai ser alvo das primeiras iniciativas do Congresso. Uma comissão composta por deputados e senadores vai ser posta em funcionamento logo em fevereiro para sistematizar as propostas em tramitação na Câmara e no Senado. Os governadores já enviaram suas contribuições, que devem ser incorporadas em forma de emenda. O Ministério da Economia, do ministro Paulo Guedes, também vai apresentar as suas propostas sobre o tema, já ciente de que um imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da extinta CPMF, não terá boa acolhida no Congresso.
O presidente da Câmara acredita que os deputados devem aprovar a matéria até o final do semestre, que, para ele, ocorre em 15 de julho, quando tem início o recesso parlamentar. Para aprovar o texto até o final do ano, ou seja, em 45 dias, o Senado precisaria fazer um esforço concentrado digno do “Livro dos Recordes”. Se conseguirem deixar as coisas bem encaminhadas para aprovação no ano seguinte, os senadores estarão fazendo um excelente negócio.
Reforma Administrativa – A proposta de Reforma Administrativa, que tem como objetivo a modernização da administração pública federal, deve ser encaminhada ao Congresso já em fevereiro. O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, está à frente da elaboração do texto e já fez apresentações do que se pretende para ministros do governo. A Reforma Administrativa deve ser dividida em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e alguns projetos de lei, que abordarão temas infraconstitucionais.
Embora Rodrigo Maia considere a possibilidade de a Câmara aprovar o texto também até 15 de julho, uma reforma de fôlego exigirá mais tempo de tramitação, podendo o debate se estender a 2021 ou mesmo 2022.
▪ O presidente Jair Bolsonaro tem se preocupado em deixar claro que a reforma não vai atingir os atuais servidores, devendo produzir efeitos somente sobre aqueles que ingressarem no serviço público após a proposta entrar em vigor. Em viagem recente à Índia, Bolsonaro falou da importância de “vencer a guerra da informação”. Pode ser. O presidente sabe bem do que está falando.
Reforma da Previdência – A PEC Paralela à Reforma da Previdência, que o Senado concebeu para incluir estados e municípios na abrangência da reforma, foi ali aprovada criando mais despesas e apontando receitas de difícil viabilização, como a tributação do agronegócio. O presidente Rodrigo Maia tem defendido que a Câmara resgate o sentido original da PEC Paralela, vale dizer: somente a possibilidade de estados e municípios aplicarem dispositivos da reforma em seus regimes próprios de Previdência.
Plano Mais Brasil – Conjunto de três PECs encaminhadas pelo governo ao Senado em novembro passado, com vistas à desvinculação de receitas e à redução de despesas correntes. As propostas devem ser aprovadas no Senado até abril, conforme avaliação do líder do Governo na Casa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), seguindo depois para a Câmara, onde deverão ser aprovadas até julho. Em breves pinceladas, as propostas assim se caracterizam:
▪ PEC dos Fundos – Revisão de fundos públicos não constitucionais e utilização dos recursos a eles destinados no abatimento da dívida. Restrição à criação de novos fundos.
▪ PEC Emergencial – Estabelece gatilho para controle de gastos, como o corte de até 25% no salário e na carga horária dos servidores.
▪ PEC do Pacto Federativo – A mais ampla das três, desindexa, desobriga e desvincula (DDD) despesas. Cria o Conselho Fiscal da República, com representantes outros poderes, bem como de estados e municípios.
Autonomia do Banco Central – O projeto do Executivo está entre as prioridades do presidente da Câmara para o semestre e pode ser um dos primeiros a entrar em pauta. O projeto estabelece mandatos para os diretores do Banco Central não coincidentes com o do presidente da República e confere autonomia formal para a autarquia perseguir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Depois de aprovado na Câmara o projeto ainda terá que ser analisado pelo Senado.
Lei Cambial – A pedido do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o novo marco legal para o mercado de câmbio proposto pelo Executivo também passa a integrar as prioridades da Câmara para o semestre. O projeto vai permitir que brasileiros tenham conta em moeda estrangeira e baratear o custo da remessa de recursos para o exterior. A Lei Cambial ainda vai depender da aprovação do Senado.
Meio Ambiente e outros temas
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre defendem maior atenção aos projetos referentes à questão ambiental, como o de combate às queimadas, na Câmara, e de licenciamento ambiental, no Senado.
Maia se vale da criação, pelo presidente Bolsonaro, do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental para sugerir que o chefe do Executivo se rendeu à importância do debate. Certo de que a atração de investimentos externos passa necessariamente pela sustentabilidade do nosso desenvolvimento, ele indica que os projetos ambientais terão boa acolhida na pauta da Câmara.
A agenda do Legislativo deve contemplar projetos que já foram aprovados em uma das Casas e que dependem da aprovação na outra. São exemplos:
▪ Lei de Licitações – aprovado na Câmara, retornou ao Senado, onde teve origem;
▪ Securitização dos débitos estaduais – aprovado no Senado, tramita na Câmara;
▪ Saneamento básico – aprovado na Câmara, tramita no Senado;
▪ PEC dos Precatórios – aprovada no Senado e remetida à Câmara.
A discussão da prisão após a condenação em segunda instância tramita, na forma de uma PEC, em uma comissão especial da Câmara. No Senado, depois de aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, um projeto alterando o Código de Processo Penal ainda depende de aprovação no plenário antes de seguir para a Câmara. O presidente Davi Alcolumbre, em entendimento com Rodrigo Maia, quer esperar a PEC da Câmara chegar à Casa para encaminhar a discussão, mais sofre constante pressão de senadores contrários a esse procedimento. A questão está longe de ser pacificada.
* Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise