Os vazamentos de mensagens trocadas por autoridades da Lava Jato pelo aplicativo russo Telegram, divulgados pelo jornal The Intercept, revelando coordenação política para prender o ex-presidente Lula e impedir a eleição de Fernando Haddad, além de otras cositas más, devem favorecer – mas não assegurar – a anulação da condenação do petista no caso Tríplex e fortalecer o processo que ele protocolou na ONU para ser reconhecido como preso político.
Um doce para o presidente Jair Bolsonaro, para retroalimentar a polarização com o lulismo e o petismo e espremer o Centrão e cia.
Usar o Telegram para este tipo de articulação está para Rússia como ter usado o Facebook para os Estados Unidos. Claro que a NSA leria “junto” as mensagens. Lembre-se, leitor e leitora, que o Intercept foi a base de divulgação da WikiLeaks no Brasil e esta, por sua vez, serviu de bunker da inteligência de Vladimir Putin para atrapalhar a eleição de Hillary Clinton contra Donald Trump, mas, no Brasil, o Intercept está associado à esquerda que é antiamericana, sobretudo a que denuncia o Democratic Party como uma espécie de retrato de Dorian Gray do “imperialismo”.
Já a “velha política” usará o caso para vergar o poder executivo ao esquema cargos-recursos-coalizão, quiçá por meio de uma CPI da Lava Jato liderada pela oposição de esquerda (porque a ala antigoverno do Centrão é a oposição de centro-direita), devidamente estimulada enquanto emissários não conseguirem arrancar o que desejam do governo: parodiando Cazuza, talões de cheque autografados por Bolsonaro.
O que acontecerá em seguida dependerá muito da reação do governo da nova direita, que deve usar Sergio Moro e Lava Jato como ativos para uma reação, em vez de serem vendidos para colher harmonia e escapar do cerco. Fontes da nova direita garantem a este colunista que os vazamentos não fizeram “cócegas” nos apoiadores da gestão e da Lava Jato. Na base de apoio ao presidente, o mais provável é que se considere válida a coordenação política da Lava Jato para impedir o retorno do PT ou a liberdade de Lula. É preciso saber o quanto esta compreensão alcançará não só o fã-clube fiel do capitão, mas os que se somaram a ele contra os petistas vendo Bolsonaro como o “menos ruim”, como ele próprio se classificou.
Há tempos que Bolsonaro se prepara para uma travessia deste tipo, que consolidaria sua supremacia no espectro conservador ou o tornaria um “lame duck” (por meio do substitutivo à PEC 06|19 ou a resistência em autorizar o PLN 04|19) e, até mesmo, o deporia.
Mas o desfecho deste mais quente escândalo só poderá ser a CPI da Lava Jato e a vitória do establishment político? Não necessariamente.
Em 10 de novembro de 2018, publiquei aqui n’Os Divergentes um artigo em que aventei a oportunidade de uma “CPI da Corrupção”, proposta do falecido – e brilhante – jornalista Raymundo Costa, na coluna dele no Valor Econômico de 28/03/2017, chamada Pelados na rua e sem saída à vista. Costa elencou da seguinte forma as sugestões dele:
● “O modelo poderia ser o das comissões da verdade em países como a África do Sul (no Brasil ela foi boicotada pelos militares) ou mesmo o acordo de paz na Colômbia (…)”.
● “O primeiro passo seria o reconhecimento dos crimes praticados, propina ou caixa dois. Confissão necessariamente pública, em troca de uma pena mais branda que a prevista nos códigos criminais.”;
● “Punição complementar a ser aplicada ao político que confessar seus crimes em troca de uma sentença mais leve: a perda dos mandatos e da elegibilidade por determinado período. É um passo também obrigatório. Ninguém no país pode cumprir mais de 30 anos de cadeia. (…) Não é o banimento, como gostariam os que têm sangue na boca, mas retiraria o indigitado por um bom tempo da vida pública.”
● “Outro passo obrigatório seria a devolução do dinheiro roubado aos cofres públicos, seguindo-se o mesmo roteiro usado pelo Ministério Público Federal nos acordos celebrados em Curitiba, no caso da Lava-Jato. Confissão, punição e reparação seriam os termos de um acordo (…)”.
Novamente, a oportunidade vem à tona, como numa das derradeiras cenas de Avengers Ultimato, quando o Dr. Estranho revelou ao Homem-de-Ferro que se abrira a realidade alternativa correspondente a 1 em 14 milhões de possibilidades em que os Vingadores venceriam Thanos. Neste caso, representado por um establishment político que a sociedade rejeita e que não é mais capaz de se sustentar com as próprias pernas, senão ao largo dos protestos, sejam das ruas e redes da nova direita, sejam destas à esquerda.