Uma Comissão da Verdade para a corrupção?

Helena Chagas tem razão ao escrever Aviso da velha política ao navegante Bolsonaro que “ao aprovar o aumento salarial dos ministros do STF (…) o Senado deu um recado da velha política ao novo presidente: as coisas não vão ser tão fáceis assim no Legislativo ( …) vai ter que fazer algumas das concessões que hoje diz rejeitar (…) e que eles continuam muito vivos, e se organizam para continuar dando as cartas”.

Então, é esperado o confronto Lava Jato x Sistema Político agora dentro do Congresso Nacional. Com a “ideia” vencedora da eleição indo para o Ministério da Justiça, a operação chegou ao poder. Bolsonaro foi eleito com o vetor anticorrupção. Em primeiro plano é esta pauta que tem que caminhar (a não ser que erre), que é o que mantém amarrados os 57,7 milhões de votos que teve. Sobre a governabilidade do capitão, escrevi este relatório a clientes, com resumos que podem ser lidos aqui O que esperar do governo Bolsonaro? e aqui Não se iluda com Bolsonaro. O juiz Sergio Moro apresentou sua agenda e, pela lista divulgada, não há flerte nem com o presidencialismo de coalizão nem com o presidencialismo de cooptação.

A cordialidade do presidente eleito nos encontros com Michel Temer e Dias Toffoli não significa ter “entendido o jogo”, significa ampliar o isolamento do PT, que já tem o bloco PDT-PSB-PC do B, conversas Ciro-Marina, o Manifesto de FHC por uma força centrista revigorada e a candidatura de Tasso Jereissati à presidência do Senado como concorrentes na oposição.

Pelo conjunto da maquete do governo eleito, fazer acordos que reconduzam políticos do establishment como Rodrigo Maia e Renan Calheiros às presidências da Câmara e Senado é contraproducente. Seria a fumaça da rendição quando o caso não é resistir, apenas lutar.

Jereissati é um bom movimento para a oposição mais larga que o PT. Para o governo, no entanto, mais produtivo seria apoiar um nome com traços antiestablishment, porém experiente, principalmente no Senado, onde há mais presença do sistema político que sobreviveu. Na chapa desta candidatura caberia a participação estratégica do senador cearense.

Até porque a agenda de Sergio Moro pode ser aproveitada pela oposição sem o PT, que quer reforçar um discurso de centro-esquerda liberto das páginas policiais, sem continência a Lula e que se sente “eles” no “nós x eles” atribuído ao ex-presidente).

Pelo conjunto da obra, o melhor para o sistema político tradicional seria refletir sobre as novas circunstâncias de negociação em vez de evocar suposta sabedoria política pela qual se o presidente eleito for esperto terá que negociar, e o fará porque é esperto.

Em março de 2017, após palestrar no lightning talk Idealpolitik-Análise de Cenários, sob o tema “O sistema político falhou?”, que antecipou diversas nuances observadas em 2018, o brilhante e dos mais notáveis jornalistas da cobertura da capital federal, Raymundo Costa, falecido no mês passado, escreveu o artigo Pelados na rua e sem saída à vista.

Nele, avaliou que “talvez seja o momento adequado para a discussão de um acordo que permita uma saída para o impasse que hoje opõe políticos desesperados, de um lado, e de outro o Judiciário e o Ministério Público Federal, cujo avanço é inexorável e conta com o apoio da opinião pública”. Para Costa, “a ideia do ‘acordão’ para ‘estancar a sangria’ da Lava-Jato não pode nem ao menos passar por perto”. Então, fazia algumas sugestões:

● “O modelo poderia ser o das comissões da verdade em países como a África
do Sul (no Brasil ela foi boicotada pelos militares) ou mesmo o acordo de paz
na Colômbia (…)”.

● “O primeiro passo seria o reconhecimento dos crimes praticados, propina ou
caixa dois. Confissão necessariamente pública, em troca de uma pena mais
branda que a prevista nos códigos criminais.”;

● “Punição complementar a ser aplicada ao político que confessar seus crimes
em troca de uma sentença mais leve: a perda dos mandatos e da elegibilidade
por determinado período. É um passo também obrigatório. Ninguém no país
pode cumprir mais de 30 anos de cadeia. (…) Não é o banimento, como
gostariam os que têm sangue na boca, mas retiraria o indigitado por um bom
tempo da vida pública.”

● “Outro passo obrigatório seria a devolução do dinheiro roubado aos cofres
públicos, seguindo-se o mesmo roteiro usado pelo Ministério Público
Federal nos acordos celebrados em Curitiba, no caso da Lava-Jato.
Confissão, punição e reparação seriam os termos de um acordo (…)”.
Poderia ser incluído na lista acordos de leniência para partidos e até outros personagens além de políticos. Segundo Raymundo, “não há um parâmetro de comissão da verdade da corrupção (…) há muitas dificuldades para a discussão de qualquer saída, sobretudo em virtude da falta de alguém capaz de assumir a liderança do processo (…).”

Cíntia Alves, do Jornal GGN, classificou Sergio Moro como o “Bolsonaro moderado”. De relance, apresentou, quem sabe, o “alguém capaz” do qual falou Costa. Quiçá o Ministro da Justiça e não mais o juiz de primeira instância, e o presidente do Senado com perfil cogitado acima.

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