Greve expõe vazio de lideranças na política

O Parlamento não é fruto de geração espontânea, mas reflexo de nossas mazelas. Foto: Orlando Brito

A paralisação do transporte de cargas, com todos os desdobramentos que jogaram o país em uma crise de abastecimento sem precedentes, expõe uma outra crise preocupante: a da falta de lideranças nacionais. A carência de líderes vem sendo cada vez mais sentida ao longo do tempo, mas o vazio com que nos deparamos no campo político, diante do atropelo a que foi submetida a atividade econômica e das ameaças à estabilidade política, traduzidas na defesa oculta da intervenção militar, mostrou-se extremamente atual.

Desde 21 de maio, quando caminhões passaram a ser usados para bloquear as estradas, tornou-se lugar comum apontar a fragilidade do governo. Isto é indiscutível. Bem que o Palácio do Planalto se mobilizou, com a criação de um gabinete da crise, depois transformado em Acompanhamento da Normalização do Abastecimento, mas as respostas foram pouco convincentes (haja vista o duradouro bloqueio das estradas) e dúbias, como a recente declaração de Michel Temer relativamente à possibilidade de fazer mudanças na política de preços da Petrobras. Um desastre cujos efeitos ainda não foram totalmente mensurados.

Falta no governo alguém que possa falar à nação e transmitir credibilidade. Quando Temer, na noite de domingo, 27, surgiu na TV para anunciar medidas decididas pelo governo, com vistas a atender os pleitos do movimento e a pôr fim à greve, foi saudado com um panelaço nacional, parecido com a bateção de panelas de dois anos atrás, que se seguia às aparições da ex-presidente Dilma Rousseff nos lares de todo o país.

Estamos de acordo: o governo é muito fraco. Ocorre que não são notadas outras lideranças no cenário político, nem no campo institucional nem entre os pré-candidatos a presidente.

Não me toques

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado Eunício Oliveira, têm o poder que o cargo lhes confere e se saem bem quando se encaixam no papel institucional, buscando vocalizar o sentimento das respectivas Casas.

Muitas vezes exageram no “não me toques”, como faz frequentemente Eunício, transbordando em si mesmo, ou como fez Maia ao afirmar que a Câmara não votaria aumento de impostos. Certamente, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, a quem o presidente da Câmara respondia publicamente, não estava pensando que os deputados pudessem votar impostos, quando falou da necessidade de compensação pela perda de receita na tributação sobre o óleo diesel. O governo tem impostos regulatórios que podem ser usados em situações como esta, sem precisar recorrer ao Congresso, sempre mais propenso a conceder do que a taxar.

Rodrigo Maia e Eunício Oliveira atuam na linha inaugurada pelos antecessores, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, enaltecendo a relevância das Casas que presidem no processo decisório. Eles crescem à medida que o governo, visto por parte da crônica política como “cachorro morto”, se perde nos próprios erros.

Chutar “cachorro morto”, como se dizia antigamente, não dá liderança a ninguém.  Que o digam os adversários do governo, sejam eles integrantes dos partidos que formam oposição institucional, sejam ex-aliados, que romperam com Temer ao longo do caminho. Estes podem vir a melhorar o desempenho eleitoral, mas isso não os faz despontar com vigor no cenário nacional. De modo geral, a política não está bem na foto, para usar uma expressão mais contemporânea.

O agravamento da situação de desabastecimento do país nos primeiros dias da semana alarmou o Senado, que aprovou com celeridade, para melhorar a arrecadação federal, um projeto que nunca esteve entre os preferidos do Legislativo, justamente por representar aumento de tributação: o da reoneração da folha de pagamento das empresas.

Alguns senadores, como a líder do MDB, Simone Tebet (MT), se disseram preocupados com as ameaças à democracia. Tebet, que é uma liderança emergente, defendeu a estabilidade política, a pacificação das ruas e a volta do país a uma situação de normalidade.

Pré-candidatos sem vigor

Ciro Gomes

Os pré-candidatos a presidente da República, sem exceção, não conseguiram marcar presença para se contrapor às medidas adotadas pelo governo no enfrentamento da crise, que surpreendeu a todos pelos efeitos provocados. A condenação da política de preços da Petrobras foi a unanimidade, mas, além disso, os presidenciáveis não mostraram ter a dimensão do problema. Dois exemplos representativos deste quadro são os de Ciro Gomes (PDT) e Henrique Meirelles (MDB).

“Se eu fosse presidente não teria deixado as coisas chegarem a tal ponto”, disse Ciro Gomes, diante de uma situação completamente invertida: ele não é presidente e as coisas passaram do ponto. Como enfrentar o problema? Esta era a questão colocada.

Henrique Meirelles voltou ao passado, falou em volatilidade de preços e defendeu a criação de um fundo de estabilização para absorver as oscilações das cotações do barril de petróleo. Uma solução de gabinete para um problema iniciado nas estradas. Como candidato a ministro da Fazenda, Meirelles não precisaria ter saído do governo, deixando o “abacaxi” nas mãos de Eduardo Guardia.

O deputado Jair Bolsonaro (PSL) evitou entrevistas, optando pela postagem de vídeos nas redes sociais. Ele ficou em cima do muro, solidário com os caminhoneiros, mas contrário ao bloqueio das estradas. Não faturou com a situação. Não quer dizer que não possa faturar um pouco mais à frente, durante a campanha eleitoral.

* Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise

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