Quanto mais eu rezo, mais assombrações me aparecem. Velho ditado que vem à tona com essa enxurrada de vocalizações de ameaças à democracia pelo irrequieto presidente da República, Jair Bolsonaro, insuflado por sua família e um grupo de seguidores inflamados.
Neste momento, o bicho papão que está atrás da porta é o “golpe” de 15 de março, que virá nos passos de uma passeata que teria a força para emparedar ou, se repetir o passado, fechar o Congresso Nacional. É o que fala a mídia, trombejam as oposições nas redes sociais e nas rodas de conversa.
Na verdade, o que acontece é que se iniciam as mobilizações com vistas às eleições de outubro. Os partidos que apoiam o governo estão entrando na campanha com o seu jeito próprio, que são as demonstrações de massa em apoio ao presidente da República.
As críticas ao Congresso e ao STF têm suas razões, mas são objetivos secundários, como se diz no jargão militar. Fracassada a tentativa de registrar seu partido, a Aliança pelo Brasil, a tempo das eleições, o grupo palaciano sai às ruas para manter seu eleitorado ativo, pronto a votar em quem Bolsonaro mandar. Este é o quadro real. Isto é elementar para a análise política. Então porque tanto medo de arrepiar os cabelos?
De fato, o pânico está nas cabeças. De tanto se rir das estultices do presidente, os cronistas mudam da água para o vinho, atribuindo-lhe capacidade de conspirar, maquinar, projetar, articular e compor com forças terríveis que, daqui a duas semanas, levarão seus adversários para o reino do terror.
É como se compõe a narrativa para a “juventude” que formou sua opinião nos anos recentes: Diz essa História de “nunca antes” que os militares podem tudo. Nessa versão, o Brasil foi libertado da tirania fardada pela ação corajosa dos guerrilheiros trotskistas da luta armada, que derrotaram uma ditadura obscurantista.
O Colégio Eleitoral foi uma pantomima, dizem, sem significado histórico como mobilização das massas. O MDB um factoide. Um conchavo que os militares aceitaram sem reclamar. Figueiredo saiu do Palácio do Planalto pela porta dos fundos. Isto não teria significado.
Agora, pela convocação de um grupo palaciano, os torturadores, os censores, os opressores do passado estariam saindo das tumbas como zumbis para garrotear, outra vez, à infeliz população brasileira. Seu modelo é o “golpe de estado”.
Essa caricatura está nas páginas e nas telas dos notebooks e iphones. Uma turba sem rosto, de Bíblia na mão, capitaneadas por um general de pijama, oriundo da Cavalaria, Augusto Heleno, vai fechar o Congresso e o Supremo. Motivo: reduzir o pagamento das emendas parlamentares impositivas.
Boa causa, capaz de produzir um levante popular incontível. O pior: muitos acreditam. Veem evidências em tudo, inclusive na viagem para o Exterior do ex-presidente Lula, que estará longe quando os brucutus (nome antigo dos blindados Urutus, hoje chamados, nas favelas, de “caveirões”). Seguro morreu de velho, dizem.
Para esses analistas de fundo de quintal que leem a História pelo ouvido, é assim que se produzem os golpes da “direita”: um general irritado vira a mesa e pronto. Isto, nessa narrativa, sempre se produz para botar o borzeguim no pescoço dos pobres: foi, dizem, na Independência, quando o Brasil se separou da Europa pós-napoleônica para não ser obrigado a libertar os escravos; no fim do século derrubou a monarquia para impedir que o grupo abolicionista de Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio e muitos outros líderes pusessem em prática seus projetos inclusivos.
A república de Floriano Peixoto teria como meta manter os excluídos fora do jogo. E assim veio um golpe atrás do outro, o último contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Tudo para manter os excluídos longe das conquistas da igualdade. É um jeito de ver as coisas.