Jesus na goiabeira x Jesus da Mangueira. O Brasil excluído da agenda identitária

Desfile na Sapucaí, no Rio de Janeiro. Foto: Sofie Mentens / Riotur

A agenda identitária nega os interesses coletivos e a centralidade da questão nacional.

O escritor Sergio Porto, que assinava artigos e crônicas com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, compôs em 1966 o famoso Samba do Crioulo Doido para ironizar a decisão do governo do antigo estado da Guanabara de tornar obrigatório o uso de temas da história do Brasil nos enredos do carnaval carioca.

O que Sergio Porto não poderia imaginar é que o mesmo carnaval décadas depois estaria submetido a uma outra obrigação igualmente descabida: a imposição do politicamente correto e dos enredos identitários nos desfiles das escolas de samba.

O tema deste ano foi o Jesus identitário e politicamente correto da Mangueira. A tradicional escola levou ao sambódromo um Jesus com recorte de raça e de gênero como está na moda. Nada parecido com a preocupação social e de caráter misericordioso e universal dos evangelhos e da própria mensagem do Cristo. Não. Nada das aspirações coletivas, nacionais ou gerais. Tudo pela fragmentação, pela dispersão dos traços biológicos dos indivíduos substituindo suas identidades coletivas e universais.

O Jesus politicamente correto e “progressista” da Mangueira não deixa de ser em certo sentido o contraponto de outro Jesus também identitário, o “conservador” avistado na goiabeira pela escolhida ministra Damares Alves.

O que une os identitários “progressistas” e “conservadores” é a valorização absoluta da agenda dos costumes e dos temas do comportamento. Assim não é de estranhar que ambas as correntes excluam completamente de seus horizontes a preocupação com o Brasil e com os brasileiros.

A ministra Damares viu Jesus na goiabeira e perdeu de vista o interesse nacional.

Ministra Damares Silva. Foto: Wilson Dias (Agência Brasil)

Hoje pouco importa se alguém se declara de esquerda ou trabalhista convicto se não se aliar incondicionalmente aos grupos identitários “progressistas” na sua agenda de comportamento e de costumes, da mesma maneira que não adianta um liberal declarar lealdade incondicional ao mercado se destoar dos grupos “conservadores” nas suas crenças em relação aos costumes e comportamento.

Aí as coisas se invertem: os primeiros serão tidos como incorrigíveis conservadores, e os segundos acusados de perigosos progressistas. Mas todos continuarão indiferentes aos dramas e ao futuro do povo e da Nação.

* Aldo Rebelo é jornalista. Foi presidente da Câmara dos Deputados. Foi ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais, do Esporte, da Ciência e Tecnologia e Inovação & da Defesa nos governos Lula e Dilma

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