Eu vou chamar o síndico!

Os incômodos sons do home office, que antes da pandemia se limitavam a barulhos do cotidiano agora se juntam a outros, que incomodam muito mais, especialmente quando são ouvidos às 6h da manhã

Antes da proliferação do ‘home office’, que, ao que tudo indica, veio para ficar, os sons nossos de cada dia se limitavam ao liquidificador-triturador, poderoso, da vizinha do terceiro andar. Moça faceira, extremamente simpática e gentil, daquelas que vai para academia diariamente, anda de ‘bike’ e é chegada a uma comida natureba, leia-se vegetariana saudável. Pontualmente às 6h, como um marcador de tempo compassado de amor, lá vinha o som. Com certo ritmo, tinha até uma melodia. Era, como me confessou um dia, o seu “detox matinal”, tomado em jejum. Uma mistureba de ingredientes, alguns impronunciáveis, cuja receita fez questão de me ofertar, indicando uma vida mais saudável.

Vinha do choro do bebê do casal recém-chegado ao prédio. Simpáticos, é o primeiro filho de ambos. Um choro, que cotidianamente, me remetia às minhas filhas, às músicas de acalanto e, é claro, Vinícius de Moraes: “…Filhos?/Melhor não tê-los!/Mas se não os temos/Como sabê-los?/Se não os temos/Que de consulta/Quanto silêncio/Como os queremos!…/…Que coisa louca/Que coisa linda/Que os filhos são!”. Nada que, com uma boa mamada, um chá de erva-doce e um passeio matinal ao Sol do ‘play’, não resolvesse.

Pelos meninos do oitavo, naquele lenga-lenga tradicional, misto de pirraça e sono, nos preparativos para ir à escola. Uma vez ou outra, um grito ecoava pelo poço de ventilação, anunciando que a mãe deles havia chegado em seu limite. Era de tal monta o berro que, até eu ficava quietinho no meu canto; vai que sobra para mim…!

Resultava do “—caixinha!!!!! Obrigado!!!!!!”, gritado, a plenos pulmões pelo pasteleiro da barraca-Kombi, montada na pracinha em frente e respondido, em coro, por seus colaboradores em reação aos cinquenta centavos deixados de brinde na soma do combinado pastel-caldo de cana.

Dos sons tradicionais do trânsito de motoristas mais afoitos e suas buzinas infernais, das descargas aberta das motocicletas envenenadas, dos caminhões-caçamba e seus contêineres com correntes soltas, dos helicópteros vindo do heliponto da Lagoa ou que, quebrando regras de horários permitidos, sobrevoavam o Cristo Redentor em seus braços abertos sobre a Guanabara.

Esses sons, não havia percebido, eram puro Chico Buarque para meus ouvidos. Me beijavam com a boca de hortelã, às 6h da manhã.

Hoje, se juntaram ao “Cotidiano”, “Collapse” do War of Ages e “The Evil House” da Malchus Band – do hebraico Meleque, que significa “rei”-,  banda ‘heavy metal’ gospel católica polonesa, se é que isso é possível. Nada contra o estilo, confesso, em certas horas até ‘cai’ bem um Ratos do Porão, Angra, Orquídea Negra e Project46. Nunca, jamais, às 6h da matina.

(continua…)

 

 

 

 

 

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