Disposta a achar uma explicação convincente para o episódio dos trinta mil reais recentemente encontrados entre as nádegas de uma figura pública brasileira, fui buscar auxílio na literatura nacional, pois esse recurso quase nunca falha.
Desta vez, foi Lima Barreto quem veio ao meu auxílio. Eu sabia que o olhar atento e a ironia afiada e aguda de nosso querido escritor carioca não iriam me decepcionar.
Em seu famoso conto “A Nova Califórnia”, o autor nos faz conhecer a história ocorrida num pequeno vilarejo brasileiro, que teria recebido um ilustre viajante estrangeiro. O visitante, contudo, vivia recluso em sua residência, o que despertava o interesse e a curiosidade dos habitantes daquele lugar.
Passado algum tempo de sua chegada, o forasteiro finalmente fez uma aparição, ao visitar um conhecido comerciante local. Naquela oportunidade, solicitou ao respeitável cidadão a sua participação, em segredo, de um importante experimento e pediu-lhe, ainda, a indicação de mais duas pessoas idôneas e discretas da cidade para também participarem como cobaias de sua incrível invenção.
Soube-se, posteriormente, que a o experimento realizado pelo forasteiro consistia numa fórmula química, que transformaria ossos humanos em ouro.
Para encurtar a história, adianto que, a partir de divulgação e da disseminação de tal boato, foi noticiada na imprensa local a violação de inúmeras sepulturas no cemitério daquela cidade…
Após a releitura desse conto, fiquei a especular se o pobre homem capturado pelas forças policiais brasileiras, no episódio a que me referi no início desta crônica, não teria sido presa fácil de algum estrangeiro mal intencionado, provavelmente de origem chinesa, mesma origem da vacina que tantos têm se negado a aceitar.
Era tão óbvio! Como alguém não teria pensado nisso antes? Seria tudo fruto de uma estratégia chinesa, de um plano comunista, tramado há tempos por Mao-Tsé-Tung em conluio com Guevara para desacreditar as instituições burguesas liberais! E também para arruinar a indústria têxtil brasileira.
O plano, neste caso, seria fazer o indivíduo acreditar na possibilidade de transformação química do PIB (produto interno bruto) em notas de 200 reais, quando a matéria orgânica entrasse em contato com um tecido específico e diferenciado, fabricado pelas indústrias chinesas e utilizado exatamente na confecção de cuecas.
Desavisado, o pobre homem teria sido atraído pelo amor desinteressado às verdadeiras descobertas científicas e concordado em participar dos primeiros ensaios científicos, colocando-se à disposição do empreendimento estrangeiro.
Mas o inesperado aconteceu. No dia exato da comprovação do sucesso de tal experimento, o indivíduo foi surpreendido pelos investigadores e policiais brasileiros, que pouco ou nada compreenderam da importância de tal experimento para o futuro da humanidade. O procedimento policial o impediu de alcançar o esperado estrelato, embora estivesse a poucos minutos de sua consagração para a humanidade.
Toda a celeuma que se seguiu seria fruto da imprensa marrom, que teria disseminado uma versão eivada de inverdades e marcada pela interpretação distorcida dos fatos.
O certo é que, a partir dali, cuecas e vacinas entraram na ordem do dia das conversas de botequim:
– Mas esse rapaz não sabia com quem estava se metendo? Quanta ingenuidade!
– Pois é. Só faltava ele também experimentar essa vacina chinesa. Eu não acredito em sua eficácia. Para mim, deve ser algum preparado químico que deverá nos transformar em comunistas inveterados.
– Talvez um alucinógeno que nos fará enxergar o que não queremos ver.
– E o tecido da cueca? Você sabe de que é feito?
– Não sei. Mas é chinês. Não presta. Procurei aqui no Google. No meu celular.
– Esse seu celular é chinês?
– Ah, é… – respondeu o interlocutor, meio sem graça.
Mas logo se recobrou:
– Assim como esse seu laptop aí…
– Suas cuecas são chinesas? – perguntou o outro.
– Não, não….
Um silêncio então se fez presente.
O fato, leitores, é que algum tempo depois, os dados estatísticos sobre a economia brasileira indicaram um surpreendente aumento da importação de produtos chineses para o território nacional. Não pensem vocês que eram computadores, celulares, componentes eletrônicos, insumos para indústria. Nada disso.
Apenas cuecas.
* Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada