O governo messiânico de Bolsonaro ressuscitou a UNE, o punk-rock e até Karl Marx. O axioma “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa” indica uma rara reiteração no Brasil. Comparando os governos de João Batista Figueiredo (JBF) e Jair Bolsonaro (JB), as similitudes vão além da origem militar, temperamento irascível e despreparo. Economia em frangalhos, recessão, desemprego, tom errático, inapetência e permanente estresse político os aproximam. O capitão, 35 anos depois, é um prisioneiro do “Feitiço do Tempo”.
A imprensa é o inimigo imorredouro. Aos olhos do SNI de Figueiredo, o Jornal “Folha de São Paulo” era o “mais bem montado esquema marxista da imprensa”, como pontuou Élio Gaspari na “Ditadura Acabada”. Com 3 décadas e meia de retardo, Bolsonaro, repete insultos e boicotes econômicos contra a mídia: “A fonte de todo mal é a Folha de São Paulo”; “esse lixo chamado FSP”. “A FSP publica, todo mundo replica”.
O subterrâneo de Figueiredo, além de bombas usava a lógica da tensão. A bisbilhotice do SNI, monitoramentos e maledicências migraram para redes sociais. É o ambiente, com a clandestinidade dos robôs, para ataques e disseminação de informações falsas. Como outrora, opera com amigos, remunerados pelo estado, assim como Alexandre Von Baumgarten, colaborador dos militares, cuja morte foi trágica. O gabinete do ódio é o novo Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
As condutas são coincidentes: toscos, radicais e disparatados. Proteção para encobrir inferioridade e compreensão turvada. O tom coloquial e vulgar os aproxima. Figueiredo entrou para história por preferir “o cheiro de cavalos ao do povo” e o impetuoso “prendo e arrebento”. Ao receber um telegrama de professores para discutir demissões praguejou: “vão à merda”.
No modo crina eriçada, Jair Bolsonaro é pródigo. Exceto a família e milicianos todos são alvos. Governadores do NE são “paraíbas”, os estudantes “idiotas úteis”, “mulher deve ganhar menos porque engravida”, “o erro da ditadura foi torturar e não matar” e “cocô dia sim, dia não”, são escatologias adaptadas. Também prometeu “botar no pau de arara” envolvidos com corrupção. Não o fez.
Ambos são pseudo atletas e têm índoles gelatinosas. Figueiredo era falso moralista. Se ocupava em seduzir menores. Bolsonaro é uma ilusão de ética. O governo, o partido pelo qual foi eleito exala malfeitos. Dos 3 filhos pagos pelo erário, dois são suspeitos de corrupção. Já os milicianos são amigos, vizinhos, funcionários e condecorados.
A dupla optou por banqueiros na Economia. Mário Henrique Simonsen foi estrela fugaz. Com sucessor Delfim Neto, a “galinha botou um ovo de avestruz” e o milagre econômico gorou. JB repetiu o receituário. Nomeou Paulo Guedes. Magnata, egresso do mercado, é formado na cutelaria de Chicago. Descobriram que não mandavam. Simonsen saiu rápido. Paulo Guedes renegou dogmas e foi mastigado pela crise do Covid-19.
Ambos têm no retrovisor um zahir: Lula. As greves do ABC no final dos anos 80 impulsionaram o sindicalista para o cenário nacional e ajudaram a agonia do regime encerrado por Figueiredo. Na esteira do movimento grevista, Lula foi preso com base na Lei de Segurança Nacional. O pedido foi do Ministério Público de São Paulo. A censura, sob o tacão de Armando Falcão, proibia divulgar greves.
Depois 38 anos, o mesmo MP, agora federal, protagonizou outra prisão de Lula. Juiz responsável pela condenação que excluiu Lula do páreo presidencial em 2018, Sérgio Moro foi premiado. Virou o ministro da Justiça. Um vasto dossiê sobre atuações clandestinas de Moro com o MP, descortinou a tocaia. Lula é uma metafórica obsessão de ambos. O general disse ter “raiva de política”. O capitão a renega apesar de ter uma família sobrevivendo dela há décadas.
O servilismo ianque é idêntico. Bolsonaro é adestrado por Donald Trump. Concede benefícios. É retribuído com tapinhas nas costas. O capitão infestou 25 integrantes da comitiva brasileira com Corona em viagem aos EUA. Foi o que nos trouxe dos amigos americanos. O General Figueiredo tinha a mesma docilidade com o cowboy Ronald Reagan, que nos brindou como “povo da Bolívia”, levou muito dinheiro, ouro, mas teve de recusar um mimo: um cavalo.
Os militares perseguiam alunos e professores por militância política. O decreto 477, de Costa e Silva colocou o a polícia dentro da academia para prender e arrebentar. É o que macaqueia o ministro da Educação, com os mesmos erros crassos de ortografia do SNI. Não é casual a predileção de Abraham Weintraub por expressões da época, como “tigrada”, cunhada para caracterizar a repressão.
Mas há diferenças. Jair Bolsonaro foi expulso do Exército. Admitiu terrorismo contra a própria instituição. Sérgio Miranda de Carvalho foi expulso da Força Aérea por se recusar a cometer o atentado do Gasômetro em 1968, que seria atribuído à esquerda. Sérgio Macaco era capitão, assim como Bolsonaro. Na república da “bananinha” o ocaso do capitão negacionista e obscurantista, como do general, tende a ser melancólico.
• Weiller Diniz é jornalista