Pretos de direita contra negros de esquerda. Esse é o embate político que está se conflagrando em áreas dos movimentos identitários. Um vídeo do pastor Wesley Ros, de confissão neopentecostal, bateu de frente com o politicamente correto da campanha antirracista desencadeada a partir da morte de um negro por seguranças do Supermercado Carrefour, dia 20 de novembro, em Porto Alegre. Segundo o pastor a acusação de racismo seria irrelevante. O crime é grave por ele próprio, diz.
Sou daltônico, disse, repetindo o bordão enunciado pelo presidente Jair Bolsonaro. Daltônico é uma expressão para definir a ideologia negacionista de racismo no Brasil, empregada pelo presidente da República. Não foi um vocábulo pronunciado ao léu pelo capitão, no meio de uma fala. Baseia-se na pregação dessa corrente evangélica liderada pelo pastor, de que o sucesso é que diferencia as pessoas, nas suas origens étnicas. Ou seja: o discurso evangélico diz que não serão privilégios legais ou outras compensações de opressões históricas, como cotas ou legislação punitiva a injúrias em vigor, que poderiam remover as barreiras e preconceitos a pessoas negras, mas sim uma militância religiosa de afirmação pessoal individual.
Religiões de matriz africana
Na verdade, há subjacente uma outra razão que mobiliza as comunidades evangélicas contra as propostas do movimento negro tradicional: o apoio às religiões de matriz africana. Tidas como satânicas, estas seitas, a maioria delas sincréticas como o catolicismo, ou seja, de forte mestiçagem cristã, constituem um grande rival para o cristianismo organizado e, especialmente, aos fundamentalistas pentecostais e neopentecostais. Segundo o antropólogo Juliano Spyer, autor do recém lançado livro “Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam”, da Editora Geração, 64% dos fiéis dessas religiões são “negros” no conceito do IBGE (pretos e pardos). Por isto, empregam o termo “preto” e rejeitam o vocábulo “negro”. Com tamanha adesão nessas mestiçagens, rejeitam por esquerdista os movimentos identitários.
Essa contracorrente identitária está submersa, sem a visibilidade dos movimentos negros ligados às esquerdas, mas é muito ativa, com alta movimentação nas redes sociais. Com o caso do assassinato de Porto Alegre, os ativistas evangélicos estão mostrando suas caras.
Pretos e negros
Essa corrente desqualifica a palavra “negro”. As peles têm suas cores: preta, branca, amarela ou, como diz Wesley, cinza, a cor de seus filhos, com uma esposa branca. Negro, para ele, é uma coloração política para enquadrar a população afrodescendente, que mistura pretos e mulatos e todas as colorações daí derivadas.
Nessa linha, defende Wesley Ros, a qualificação de “negro” no conceito do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para agrupar autodeclarados pretos e pardos é uma definição de inspiração à esquerda ideológica. Por isto, segundo o pastor, a direita crente nega legitimidade ao movimento negro como representante de etnias assim definidas e qualifica suas demandas de “vitimismo”. Confronto ideológico à frente.
Vítima do racismo
Wesley não nega o racismo e o preconceito. Pelo contrário: apresenta-se como vítima concreta do racismo. Na juventude, conta, foi demitido da função de chapeiro numa lanchonete porque um cliente recusou-se a comer um sanduíche preparado por um preto.
Na sua narrativa, não se deixou abater e foi em frente, como diz: “Em vez de olhar para o retrovisor, para um passado de opressão e humilhação, olhei em frente, para o para-brisa”, diz. E conclui: hoje é proprietário de uma bem equipada produtora de vídeo e som, com ativos de alto valor, e de uma próspera agência de turismo em Israel. Segundo ele, foi Jesus que lhe mostrou o caminho do êxito. Com isto ele supera o racismo e suas limitações, dispensando políticas e legislações compensatórias. Wesley completa que em vez de reclamar do patrão racista, com seu sucesso poderia comprar seu comércio e obrigar o antigo dono a lhe reconhecer o êxito. A direita black está se posicionando para marcar seu território na luta identitária.