Amanhã o presidente Michel Temer vai passar pelo crivo do plenário da Câmara e deve sair todo chamuscado da última que o Rodrigo Janot deixou com o estopim aceso para o PMDB apagar antes que exploda.
A imprensa cobra indignada a movimentação do presidente para salvar seu mandato. Está comprando o Congresso, se diz. Logo em seguida, comparando, criticam Dilma Rousseff por não ter adulado o parlamento e, por isto, caiu. Temer não cai porque age em cima de sua base parlamentar; já do outro lado o bordão é: “Dilma caiu porque não fez nada”. É brincadeira! Mas ouve-se e lê-se nos órgãos mais respeitáveis de apresentadores e escribas indignados.
Não fôssemos brasileiros diríamos que este é o país da hipocrisia. Mas não é nada disso. Na semana passada o escritor Pedro Cavalcanti, autor com uma carreira internacional de grande peso como jornalista, escreve no Estadão um artigo intitulado “Os Brasileiros e a Natureza”. Aí ele demonstra como a opinião pública tupiniquim é facilmente manipulável, hora dizendo uma coisa, hora dizendo outra sobre o mesmo tema. Parece que ninguém pensa.
O texto de Pedro Cavalcanti não se envergonha de mostrar como os estereótipos são repetidos irrefletidamente por gente que se diz inteligentes e informados. Tanto se diz quanto se desdiz.
Um caso gritante do Febeapá é essa celeuma toda com o decreto da escravidão. Fala-se aqui que corre o mundo a denúncia de que no Brasil foram reabertas as senzalas. Como se fosse possível que este poderoso agronegócio que hoje alimenta o mundo seja plantado e colhido por mãos servis debaixo de açoites, nunca por máquinas e profissionais de alto nível, como se vê na propaganda da televisão.
A culpa é do Temer: a Europa vai proibir seus habitantes de comerem os alimentos produzidos no Brasil. E todo mundo acredita quando ouve uma coisa dessas. Só não se dá ouvidos para o que efetivamente acontece no campo. No interior, longe dos holofotes, mais de 90 por cento das multas por trabalho escravo são aplicadas em parceiros rurais, um arranjo que vem desde a Idade Média.
Segundo as queixas dos agricultores, há uma indústria da propina em cima de multas aplicadas a meeiros e empreiteiros nas pequenas e médias propriedades de agricultura familiar. Ali o meeiro não tem carteira assinada nem salário, pagam com produto da lavoura e levam a própria comida nos farnéis. Por isto, seria escravo.
O fiscal chega lá e diz que a lavoura do meeiro é escravo, e não adianta dizer que não, pois trabalho escravo é crime de ação pública. Consequência: ficam os dois sem trabalho, o dono da terra e o meeiro ou empreiteiro. Cortar isto significa cortar a renda de brasileiros. A grita é geral, principalmente na zona rural, pois depois da visita do fiscal o meeiro perde a lavoura e o proprietário não quer mais saber de arrendar nem produzir. E ainda fica com a multa. Por fim, a culpa de tudo é da bancada ruralista.
Como o caso do atirador de Goiânia, que está sendo apontado como uns daqueles exterminadores norte-americanos que volta e meia estão disparando a esmo e matando gente por lá. Nada a ver uma coisa com a outra. Em Goiânia um garoto achincalhado por colegas pegou uma arma e deu um fim nos algozes. Coisa de meninos do sexo masculino. Nos anos 50, quando uma coisa dessas seria resolvida nos punhos, batendo ou apanhando, os garotos sairiam no braço. Machismo, dirão, mas era assim que os rapazes cresciam e ninguém dava tiros para pedir reparação dessas coisas hoje chamadas de bullying.
Comparar uma briga de colegiais com os exterminadores dos Estados Unidos é outro desses casos em que se engambela a opinião pública na maior cara de pau. Na América do Norte esses atiradores são um produto da cultura daquele povo, que vem desde o faroeste e continua até hoje, alimentada pela vocação bélica dos americanos. Trata-se de um estado guerreiro, sempre envolvido em conflitos. Para se manterem como xerifes do mundo precisam de um povo agressivo, cruel e voltado para a cultura da morte. Assim era em Esparta. Os americanos vêm dessa vertente e isto é que gera esses aparentes absurdos, mas que fazem parte do jeito e do sonho americano.
Entretanto, a mídia brasileira diz que é tudo igual. E assim fica. Aqui a cultura das armas está enquistada nos morros do Rio de Janeiro e nas periferias de outras grades cidades. Ali sim há uma cultura de amor às armas e de luta armada. A nada disso, nem aos atiradores americanos nem aos garotos fuzileiros das favelas se comparam os meninos de apartamentos, criados longe das ruas e dos conflitos. O caso de Goiânia, uma tragédia para as famílias envolvidas, foi numa briga dos garotos que passou dos limites. Bem que eles poderiam ter resolvido a pendenga a pedradas.