Por questões profissionais, fui dar com os costados no interior de São Paulo. Precisamente em São José do Rio Preto, no Nortão do estado. Era 1996, no já quase longínquo século passado. Gostei da cidade de supetão, nem o calor me incomodou tanto. E lá tive o privilégio de fazer novos amigos.
Há diversas teses sobre a hora em que você constitui os verdadeiros. Uma garante que é na escola, em qualquer uma, desde a alfabetização até a faculdade. Outra sustenta que é no início da vida profissional. E, a mais tolerante, afirma que é durante toda a vida. Concordo com todas, mas só constatei isso in loco naquela cidade do Nortão paulista. Aliás, sentia uma certa estranheza nesse negócio de Nortão. Nordestino de raiz, criado em Brasília, esse tal de Nortão para mim era o Pará, onde também tenho amigos.
Pois bem, em Rio Preto, como a chamam carinhosamente, conheci um pouco mais da ocupação bandeirante. Vi a força e a influência da migração sírio-libanesa. A cidade é cortada por rodovias e três largas avenidas, todas com nomes de migrantes da antiga Fenícia, berço das velhas civilizações do Mediterrâneo. E lá, depois do trabalho cumprido, deixei dois bons amigos, quase de dinheiro emprestado. Cada um ao seu jeito me ensinou como é esse sertão de São Paulo. Nessa digressão, cabe uma rápida apresentação:
1) Márcio Jacovani, Marcinho ou Marcião. Um gigante com tamanho e peso de impressionar. O melhor técnico de áudio que conheci. Capaz de ser premiado em festivais de cinema como responsável pelo som direto mesmo em filmes horríveis. Grande papo, regado sempre a generosas doses de uísques, disfarçadas com muita água e gelo, valoriza como poucos a sabedoria do caboclo. Certa vez, contou ele, um engenheiro eletrônico contratado por uma grande emissora de televisão precisou averiguar o alcance do sinal da nova antena. E saiu ele, mato adentro, até vislumbrar uma casinha com antena parabólica. Não pestanejou, bateu na porta e chamou o dono da casa. Surgiu um capiau, carregando todos os estereótipos possíveis de um jeca tatu de romance. O moço da cidade, bem formado, se apresentou e indagou:
– Na televisão do senhor, há uma boa recepção de áudio e vídeo?
Educado, o capiau respondeu:
– Ô doutor, disso que o senhor tá falando entendo direito não. Mas aqui funciona assim: quando tem proseio, não tem figura; quando tem figura, não tem proseio.
O engenheiro entendeu.
2) Paulo Cezar Martins, vulgo Tubão. Engenheiro casado desde sempre com a dona Sílvia. Pai, avô, uma figuraça. Tentou sair do interior, mas o interior nunca saiu dele. Conhece gente em todas as cidades em volta de Rio Preto. Sabe o nome de um excelente restaurante em Bálsamo; onde se toma uma cerveja gelada em Monte Aprazível; e a melhor feijoada de Mirassol. Certa vez conversava com ele no Kiberama, ponto das fofocas políticas não virtuais de Rio Preto, quando chegou um candidato a prefeito. Depois da rápida campanha, conhecida como corpo a corpo (sem sacanagem), o postulador foi pedir votos em outras paragens. Nem bem havia dobrado a esquina, Tubão cravou:
– Esse é uma curva de rio pequeno, só junta tranqueira.
Não conhecia a expressão, achei ótima. Hoje, lembrando dessa época, quase 25 anos depois, vejo que a sabedoria popular é para sempre e serve para ilustrar bem a realidade. Este governo, por exemplo, tem uma péssima imagem e não tem proseio possível. É, ainda, curva de rio pequeno: nenhum outro presidente seria capaz de juntar tanta tranqueira numa administração só.
Continuo amigo dos dois e nos falamos com frequência.